J. Bras. Nefrol. 2009;31(2):76.

Diagnóstico e tratamento da anemia na DRC

Hugo Abensur

O diagnóstico de anemia, em pacientes adultos portadores de doença renal crônica (DRC), é baseado nos mesmos critérios utilizados para a população geral. De um modo geral, considera-se anemia quando os níveis de hemoglobina estão abaixo de 13 g/dL nos homens e mulheres após a menopausa e abaixo de 12 g/dL nas mulheres. A anemia é uma complicação comum da DRC, sendo multifatorial e associada, principalmente, à deficiência relativa de eritropoetina, de ferro e ao estado inflamatório associado à própria DRC. A anemia da DRC aparece a partir do estágio 3 de DRC. Portanto, pacientes anêmicos nos estágios 1 e 2 geralmente apresentam outras causas de anemia. Existe certa proporcionalidade entre o grau de anemia e o estágio de DRC. Um paciente muito anêmico em estágio 3 certamente deve ter outra causa de anemia não associada à DRC.

Para investigação da anemia, é necessário um eritrograma completo, que pode evidenciar pistas de anemia ferropriva (presença de microcitose), de deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico (presença de macrocitose) e de hemólise (presença de esquizócitos). A avaliação dos estoques de ferro também é importante, incluindo a dosagem da saturação de transferrina e de ferritina sérica. Índice de saturação de transferrina sérica abaixo de 20% é considerado deficiência de ferro. Níveis de ferritina inferiores a 100 ng/mL são considerados deficiência de ferro nos pacientes em tratamento conservador e em programa de diálise peritoneal. Em hemodiálise, níveis de ferritina inferiores a 200 ng/mL estão associados à deficiência de ferro.

Caso seja constatada deficiência de ferro, a reposição deve ser feita prontamente por via intravenosa nos pacientes em programa de hemodiálise, pois eles têm perda crônica de sangue e dificuldade de absorver ferro devido aos níveis aumentados de hepcidina, um peptídeo produzido no fígado por indução de citocinas inflamatórias e que bloqueia a absorção intestinal de ferro e a mobilização de ferro dos estoques. Nos pacientes em tratamento conservador e em programa de diálise peritoneal, por apresentarem menor perda de sangue, pode ser tentada a via oral de administração de ferro, porém geralmente também será necessária a reposição intravenosa e ferro devido à presença de níveis elevados de hepcidina. A reposição de ferro deverá ser interrompida quando a saturação de transferrina for superior a 40% e a concentração de ferritina sérica for superior a 500 ng/mL. Uma vez repostos os estoques de ferro e os pacientes permanecendo com níveis de hemoglobina inferiores a 11 g/dL, deve-se iniciar o tratamento com medicamentos estimuladores de eritropoiese, almejando níveis de hemoglobina entre 11 e 12 g/dL. Níveis maiores de hemoglobina não trouxeram benefícios para os pacientes portadores de DRC.

No Brasil dispomos de eritropoetinas convencionais com meia-vida curta e necessidade de uma a três administrações semanais, preferencialmente subcutâneas, e agora mais recentemente passamos a dispor de CERA (betaepoetina-metoxipolietilenoglicol), com meia-vida mais longa, que pode ser administrada a cada 15 dias na fase de correção da hemoglobina e, mensalmente, na fase de manutenção, por via subcutânea ou intravenosa. Os principais efeitos colaterais dos medicamentos estimuladores da eritropoiese são o advento ou a piora da hipertensão arterial e os fenômenos trombóticos. Em pacientes que não respondem com incremento satisfatório dos níveis de hemoglobina, deve-se procurar e sanar as causas de resistência; dentre as quais destacam-se a deficiência de ferro, as perdas sanguíneas, os estados inflamatórios e infecciosos, o hiperparatiroidismo, a subdiálise, as carências vitamínicas e a hemólise.

A deficiência funcional de ferro é uma situação associada à inflamação com aumento de hepcidina, em que o paciente apresenta estoque adequado de ferro no organismo, caracterizado por níveis elevados de ferritina sérica, porém não consegue mobilizar o ferro dos estoques e a saturação de transferrina fica abaixo de 25%. Nesses casos, o emprego de ferro intravenoso em baixas doses (50 mg por semana) poderá contribuir para a melhora do quadro de resistência aos medicamentos estimulantes da eritropoetina. Com relação à terapia adjuvante, a reposição de vitamina B12 e ácido fólico é recomendada apenas em caso de deficiência dessas substâncias. A suplementação de vitamina C, vitamina E, vitamina B6, carnitina, andrógeno, estatina e pentoxifilina não necessita ser feita rotineiramente como tratamento adjuvante da anemia de pacientes com DRC.

A anemia é uma complicação importante da DRC e, quando não tratada, está associada com piora da qualidade de vida dos pacientes, maior número de internações hospitalares e maior mortalidade.

REFERÊNCIA 

Diretriz para o Tratamento da Anemia no Paciente com Doença Renal Crônica. Braz. J. Nephrol. (J. Bras. Nefrol.) 2007;29(4-Supl.4). 

1. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Correspondência para:
Hugo Abensur
Rua Maestro Cardin, 560, 17º andar, conj. 171
Liberdade – São Paulo – CEP: 01323-000
Tel: (11) 3289-5304
E-mail: sabensur@usp.br

Declaramos a inesistência de confl itos de interesse.

Data de submissão: 17/1/2009
Data de aprovação: 12/5/2009

Diagnóstico e tratamento da anemia na DRC

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