J. Bras. Nefrol. 2009;31(2):89-95.

Determinantes da não-adesão medicamentosa nos pacientes em hemodiálise

Manuel Carlos Martins Castro, Maria Valéria da Silva Aoki, Ednéia de Souza Domingos, Regina Cássia dos Santos Coutinho, Celina de Fátima e Silva, Jacqueline Lopes Couto, Jerônimo Ruiz Centeno, Magdaleni Xagoraris, José Adilson Camargo de Souza

Resumo:

Introdução: Apesar de contribuir para a morbidade e mortalidade dos pacientes em hemodiálise, a não-adesão medicamentosa é um aspecto pouco estudado nesses pacientes. Objetivo: Avaliar as causas de não-adesão medicamentosa nos pacientes em programa de hemodiálise crônica. Material e Métodos: Uma coorte de 65 pacientes respondeu um questionário composto de 35 perguntas relacionadas com o uso de suas medicações. Esse questionário foi desenvolvido em nossa unidade para ser aplicado especificamente entre os pacientes em diálise e procurou avaliar diversos aspectos relacionados às medicações de uso ambulatorial. Paralelamente, os pacientes foram estratificados em classes econômicas e avaliados quanto ao perfil de depressão. Resultados: O estudo mostra que a prevalência da não-adesão é alta entre os pacientes em diálise. As causas para este problema são múltiplas, envolvendo desde o elevado número de medicamentos, de comprimidos e de tomadas diárias, até a disponibilidade e acesso à medicação. Também, o desconhecimento da ação terapêutica da droga, os efeitos colaterais e a falha no preenchimento das expectativas de saúde do paciente foram causas importantes de não-adesão. Um número elevado de pacientes se declarou desestimulado para o uso regular da medicação; entretanto, o perfil depressivo e econômico não contribuiu para a não-adesão. Conclusão: Nosso estudo mostra que a etiologia da não-adesão medicamentosa de pacientes em hemodiálise é multifatorial, exigindo uma mudança na abordagem dessa condição pela equipe médica com a necessidade de um enfoque multidisciplinar associado à constante supervisão e orientação do paciente.

Descritores: aderência, não-adesão, medicação, hemodiálise, doença renal crônica.

Abstract:

Introduction: Medication noncompliance contributes to morbidity and mortality of hemodialysis patients; however, there are few studies in this area. Objective: To evaluate the causes of medication noncompliance in patients undergoing hemodialysis. Methods: A cohort of 65 patients answered a questionnaire with 35 questions. This questionnaire was developed to be applied in hemodialysis patients to evaluate several aspects related to medication use. At the same time, patients were stratified by socioeconomic situation and the presence of depression. Results: The results showed a high prevalence of medication noncompliance in hemodialysis patients. Causes for noncompliance were multiple and involved the high number of drugs, pills and dose frequency, in addition to the availability and access to medication. Also, the low levels of knowledge about medications, side effects and failure to fulfill patient health beliefs were identified as causes for noncompliance. Several patients expressed a lack of motivation to take the medication; however, socioeconomic situation and the presence of depression did not influence noncompliance. Conclusion: Our study shows that the cause of medication noncompliance in hemodialysis patients is multifactorial. Consequently, a change in medical team approach is required to include a multidisciplinary focus associated with a constant supervision and guidance of these patients.

Descriptors: compliance, noncompliance, medication, hemodialysis, chronic kidney disease.

INTRODUÇÃO 

A não-adesão à medicação é um problema presente em todas as áreas da medicina.1 Na nefrologia, este aspecto tem sido abordado em trabalhos envolvendo principalmente pacientes com hipertensão arterial 2,3 ou submetidos a transplante renal.4,5 Alguns estudos de língua inglesa avaliaram a não-adesão entre os pacientes em diálise.6-9 Recentemente, Moreira et al.10 publicaram um trabalho realizado na cidade de Fortaleza, Ceará, no qual se avaliou a adesão em indivíduos com doença renal crônica em tratamento conservador. Todavia, no melhor de nosso conhecimento, não existem estudos nacionais analisando essa questão entre os pacientes em diálise.

Uma vez que a adesão ao tratamento sofre a influência de características locais, envolvendo aspectos culturais, educacionais e de saúde pública, transpor as conclusões de estudos realizados em outros países para as condições brasileiras parece inadequado. Por outro lado, o desconhecimento dos múltiplos fatores envolvidos na não-adesão medicamentosa dos pacientes em diálise não permite o desenvolvimento de estratégias para abordar o problema. Portanto, a não-adesão representa uma variável que deve ser estudada, pois compromete não só a morbidade e mortalidade do tratamento dialítico, mas também provoca elevação dos custos, os quais, no Brasil, já são bastante altos, conforme dados do Ministério da Saúde.11 

Os instrumentos empregados para avaliar a adesão medicamentosa são precários e não foram desenvolvidos especificamente para utilização nos indivíduos em diálise. Diante deste contexto, neste estudo avaliamos esse problema através de um questionário adaptado à realidade cultural de nosso país, que teve como objetivo determinar e quantificar as causas de não-adesão em um grupo de pacientes em programa de hemodiálise ambulatorial.

MATERIAL E MÉTODOS 

Uma coorte de 65 pacientes em programa de hemodiálise no Instituto de Nefrologia de Taubaté-SP foi selecionada para responder um questionário com 35 perguntas relacionadas a múltiplos aspectos sobre a medicação prescrita para uso domiciliar. Indivíduos com comprometimento cognitivo, tempo de diálise inferior a seis meses, idade inferior a 21 anos ou que se recusaram a participar foram excluídos. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição e os pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

O questionário foi desenvolvido por uma equipe multiprofissional composta por médicos, enfermeiras, psicóloga, nutricionista e assistente social. Durante sua elaboração, uma das preocupações foi adaptá-lo às características do paciente em diálise. A análise criteriosa das perguntas revela que algumas são muito parecidas. O objetivo foi cruzar as respostas obtidas entre questões relacionadas. Ao longo do questionário, a distribuição das perguntas foi aleatória, mas semelhante para todos os pacientes.

Uma psicóloga e duas enfermeiras foram treinadas para supervisionar a aplicação do questionário, que foi realizada durante uma sessão de hemodiálise. As respostas foram espontâneas, não sendo confirmada sua veracidade. Foi preservado o direito do paciente de não responder a alguma pergunta.

Paralelamente, sob orientação da psicóloga, os pacientes responderam ao Inventário de Depressão de Beck,12 sendo considerados suspeitos de depressão aqueles com pontuação superior a 15.13 A estratificação econômica em classes A, B, C, D e E foi feita através do questionário da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas – versão 2003.14 

Os dados foram armazenados e analisados através de uma planilha desenvolvida para esta finalidade (Microsoft Office – Excel 2003). Os resultados são apresentados como média ± desvio-padrão.

RESULTADOS 

CARACTERÍSTICAS DEMOGRÁFICAS

A Tabela 1 mostra as características demográficas dos 65 pacientes que responderam ao questionário. Chama a atenção o baixo grau de escolaridade e o baixo nível econômico.

 

NÚMERO DE DROGAS E COMPRIMIDOS POR DIA

A partir de informações retiradas do prontuário, verificou-se que o número de classes de droga prescritas foi de 8,7 ± 2,1 por paciente, com 18,4 ± 7,5 comprimidos por dia. Quarenta e sete pacientes foram considerados capazes de informar o número de comprimidos que ingeriam por dia. O número relatado foi de 10,3 ± 4,2 comprimidos, enquanto a prescrição continha 16,7 ± 6,6 comprimidos por dia. Setenta e sete por cento dos entrevistados tomavam medicação três ou mais vezes ao dia, 14% duas vezes e apenas 9% uma vez ao dia.

Quarenta e sete pacientes (72%) consideravam o número diário de comprimidos elevado e 37 (57%) acreditavam que o médico poderia reduzir esse número. Nessa linha, 64% relataram que tomar medicação era cansativo e 48% se sentiam desestimulados para o uso regular da medicação. Em função de diferentes associações causais, 35 pacientes (54%) relataram que esqueciam de tomar seus remédios.

A ORIGEM DA MEDICAÇÃO

Todos os pacientes tinham acesso às medicações através do sistema público, sendo que para 12 (18%), essa era a única fonte de remédios. Para os demais, alguns medicamentos eram adquiridos através da rede privada. Trinta e cinco pacientes (54%) afirmaram que deixavam de tomar a medicação quando esta não era disponível no sistema público. Entretanto, quando o paciente foi perguntado se avisava o médico sobre a falta do remédio, 28 (43%) não responderam a essa questão. Entre os 37 que responderam, 81% afirmaram que nunca avisavam o médico, 5% avisavam algumas vezes e apenas 14% sempre comunicavam o fato.

ACESSO DOMICILIAR E CONHECIMENTO DAS MEDICAÇÕES

Cinquenta e dois pacientes (80%) responderam que eles próprios separavam e organizavam seus remédios, sendo que 43 (66%) não solicitavam ajuda nessa tarefa. Cinquenta e quatro (83%) afirmaram ser eles os responsáveis por pegar os comprimidos no horário das tomadas e 35 (54%) se esqueciam de tomar o remédio no horário previsto.

Apenas 25 pacientes (39%) declararam que conheciam o nome de todos os medicamentos que estavam usando, 36 (55%) lembravam o nome de alguns e 4 (6%) não sabiam o nome de nenhum de seus remédios. Treze pacientes (20%) referiram que confundiam os medicamentos, sendo que para 24 (37%) a prescrição com o nome genérico e a dispensação com o nome fantasia gerava equívoco. Entretanto, contrariando o esperado, apenas oito pacientes (12%) associavam a medicação com características de cor, tamanho ou gosto do comprimido. Apesar dessa complexa situação, somente 23% dos entrevistados informaram que já haviam tomado medicação de maneira incorreta.

CONHECIMENTO E CRENÇA NA EFICIÊNCIA TERAPÊUTICA DA MEDICAÇÃO

Quando os pacientes foram perguntados sobre a indicação de cada uma de suas medicações, 12 (19%) responderam que conheciam a indicação de todos os remédios e 47 (72%) apenas de alguns. Os pacientes associaram esta situação à ação do médico, visto que 42 (65%) responderam que o médico não informou detalhadamente a indicação da medicação e, para 35 (54%), o médico não explicou suficientemente bem como cada medicação deveria ser usada. Isto fez com que 27% dos pacientes não tomassem algum remédio por acreditar que ele não funcionava, enquanto 29% consideravam que alguns de seus medicamentos causavam algum tipo de malefício.

A Tabela 2 mostra o grau de conhecimento da ação terapêutica dos medicamentos em uso pelo paciente e a porcentagem de concordância com a prescrição médica. Por exemplo, 80% dos pacientes declararam que tomavam medicação anti-hipertensiva e 18% que não tomavam; em 90% dos casos houve concordância entre a resposta do paciente e a prescrição médica. Em relação aos quelantes de fósforo, 68% responderam que tomavam esse tipo de droga, enquanto 15% declararam que não. Para essa medicação, houve concordância em 83% dos casos. Isto significa que 17% dos pacientes estavam tomando quelante de fósforo e não sabiam, ou acreditavam que usavam essa medicação, quando na verdade ela não estava sendo prescrita. Seguindo essa linha de raciocínio, podemos constatar que medicações para hipertensão arterial, diabetes melito e os diuréticos são os mais conhecidos, enquanto medicações para controle do fósforo e os antiagregantes, para reduzir os riscos de trombose da fístula arteriovenosa e/ou prevenir eventos cardiovasculares, são menos conhecidos.

 

A VISÃO SOBRE UMA PÓS-CONSULTA MÉDICA

Os pacientes foram estimulados a avaliar a importância de uma pessoa da área de enfermagem para o esclarecimento da indicação terapêutica da medicação, das formas e dos intervalos de tomada e sobre o possível impacto dessa ação sobre a adesão. A Tabela 3 mostra que, aproximadamente, 75% dos pacientes acreditam que essa pós-consulta pode ser benéfica.

 

DISCUSSÃO 

Adesão ao tratamento representa o grau em que o comportamento do paciente coincide com a prescrição médica. Assim sendo, adesão vai além do uso regular das medicações, passando, muitas vezes, por mudanças na dieta e no estilo de vida. Por outro lado, a classe médica interpreta não-adesão como uma opção do paciente, quando, na verdade, deve ser entendida como um diagnóstico médico de caráter sindrômico. Isto é particularmente importante, pois a abordagem precoce e rápida da não-adesão pode reduzir o custo do tratamento, melhorar a morbidade e mortalidade e aumentar a eficiência terapêutica da medicação com reflexos na qualidade de vida, principalmente nos casos de patologias crônicas.

Em doenças como diabetes melito,15 hipertensão arterial,2,3 asma brônquica,16 dislipidemia,3,17 transtornos mentais18 e no transplante de órgãos,4,5 a adesão tem sido estudada com mais intensidade. Embora alguns estudos tenham avaliado a adesão à medicação nos pacientes em diálise,6-9 não existe nenhum estudo nacional abordando esse aspecto entre os pacientes em hemodiálise. Nesse sentido, nosso estudo mostra claramente que as causas de não-adesão são múltiplas, cabendo ao médico identificar e atuar sobre as mais relevantes, com o objetivo de melhorar a adesão.

Métodos diretos e indiretos têm sido utilizados para avaliar a adesão.1 Os diretos envolvem a dosagem da concentração do fármaco no sangue, a avaliação de marcadores incorporados à medicação, a observação direta da tomada, a contagem de comprimidos e o uso de embalagens eletrônicas. Os métodos indiretos envolvem o autorrelato, o relato do médico, da família e dos amigos, além da pesquisa de efeitos colaterais da droga ou o surgimento de complicações clínicas decorrentes da não-adesão.

Embora cada um desses métodos apresente vantagens e limitações que devem ser consideradas durante a interpretação dos resultados,1 o autorrelato, através de uma entrevista bem estruturada e confidencial, parece ser a melhor forma para medir a adesão.19,20 Sendo assim, resolvemos utilizar um instrumento desse tipo para avaliar a dimensão da não-adesão em nosso centro de diálise.

Para isso, desenvolvemos uma relação de 35 perguntas, algumas com respostas categóricas do tipo sim ou não e outras envolvendo um aspecto temporal do tipo sempre, quase sempre, algumas vezes, poucas vezes, quase nunca e nunca. Acreditamos que considerar o aspecto temporal é particularmente relevante, pois a adesão varia no tempo, na frequência, na origem e na certeza diagnóstica, o que torna a interpretação das respostas categóricas ainda mais difícil.19,20

A Tabela 4 mostra as principais causas de não-adesão descritas na literatura,1 destacando que várias delas estão presentes em nossos pacientes. A inter-relação entre algumas dessas causas merece atenção, uma vez que não-adesão está intimamente relacionada com aspectos culturais e econômicos, além da doença de base e suas comorbidades.

 

Algumas características são frequentemente associadas com o perfil do paciente não aderente.1 Eles são geralmente jovens, solteiros ou sem companheiro, não brancos, deprimidos e alcoólatras, sendo frequentes os distúrbios de personalidade com diferentes crenças e/ou fantasias sobre a doença e as medicações. Além dessas características, os indivíduos não aderentes costumam considerar o custo do tratamento na sua decisão.

Por outro lado, nosso grupo tem observado a presença de algumas características adicionais nos pacientes não aderentes ao tratamento dialítico. Entre elas destacam-se: faltas às sessões de diálise, hipertensão arterial de difícil controle, hiperfosfatemia, hiperpotassemia, ganho de peso interdialítico excessivo, necessidade de diálises extras, não realização dos exames solicitados, faltas às consultas agendadas e uma relação médico-paciente geralmente ruim. Entretanto, estudos ligando essas características diretamente à não-adesão medicamentosa dos pacientes em diálise não têm sido realizados.

ALGUNS ASPECTOS ESPECÍFICOS OBSERVADOS EM NOSSA POPULAÇÃO

Nossos pacientes em hemodiálise apresentam baixo índice de escolaridade, consequentemente, apenas um pequeno número deles conhece o nome de todos os seus remédios. Apesar disso, são eles que separam suas medicações e são os responsáveis por pegá-las no momento da tomada, o que contribui para que metade dos pacientes se esqueça de tomar a medicação regularmente. Paralelamente, a maioria acredita que o número de medicamentos e comprimidos prescritos por dia é muito alto, sendo que mais da metade dos pacientes acredita que o médico poderia reduzir essa quantidade. Isto, aliado ao elevado número de tomadas por dia, fez com que mais de 30% dos pacientes reduzissem, espontaneamente, o número de comprimidos ingeridos diariamente. Esses dados são preocupantes, pois a maioria dos entrevistados afirmou que tomar medicação é cansativo, o que desestimula o uso regular. Esse padrão de resposta não apresentou relação com o perfil depressivo avaliado pelo inventário de Beck; entretanto, é necessário ressaltar que este teste não permite o diagnóstico de depressão, devendo ser utilizado apenas como um instrumento de triagem.13 

Em nosso estudo, observamos que dois terços dos pacientes pertencem às classes econômicas D e E, assim sendo, todos dependem do sistema público de saúde para acesso à medicação. Nesse contexto, mais da metade dos pacientes deixa de tomar a medicação quando esta não está disponível na rede pública; entretanto, o mais preocupante é que a maioria não avisa o médico quando isto ocorre. Se somarmos o fato de que um terço dos pacientes deixa de tomar alguma medicação, pois acredita que ela cause algum tipo de mal, ao fato de que um terço não as toma, pois acredita que elas não funcionam, isto coloca o médico diante de uma situação alarmante.

Outro aspecto que chama a atenção é que mais da metade dos pacientes declararam que confundem as medicações quando as mesmas são prescritas pelo nome genérico e a dispensação é feita com o nome fantasia e/ou as embalagens são parecidas. Tal fato colaborou para que um terço dos pacientes admitisse que já havia usado medicação de forma incorreta. Por outro lado, mais da metade dos pacientes desconhecia o efeito terapêutico de suas medicações e atribuía ao médico a falta de informação sobre a ação e a forma correta de utilização dos remédios. Sem dúvida, isto pode ter contribuído para reduzir a adesão. No entanto, é possível que o médico, ao orientar sobre essas questões, o tenha feito em um nível de linguagem superior ao grau de compreensão do paciente.

Neste estudo, não foi possível avaliar adequadamente a influência da escolaridade e da classe econômica sobre a adesão à medicação, visto que a maioria apresenta pouca escolaridade e pertence às classes econômicas mais baixas. Todavia, o perfil dos pacientes que participaram deste estudo não é diferente daquele observado em estudo anterior do nosso grupo.21 Apesar disso, cabe salientar que alguns autores sugerem que mais importante que o nível de escolaridade é o grau de conhecimento sobre a doença,10,22 enquanto outros estudos têm demonstrado que o perfil socioeconômico não é fator decisivo na adesão à medicação.23,24 

Diante dessas observações, e preocupados com a nãoadesão, estamos desenvolvendo em nosso centro um programa que denominamos 3E, baseado nas premissas de esclarecer, enfatizar e explorar. Este programa tem como objetivo esclarecer o paciente sobre as razões da prescrição e o beneficio esperado, enfatizar o grau de responsabilidade do paciente e do médico no prognóstico e explorar os fatores da vida do paciente envolvidos no uso regular da medicação. Paralelamente a estas ações, a equipe médica está sendo estimulada a reduzir o número de medicamentos, comprimidos e tomadas diárias, visto que essas medidas estão associadas com um aumento da adesão.1,2,25 Ao mesmo tempo, a equipe tem procurado orientar em linguagem simples o paciente e seus familiares sobre a ação, o uso e o eventual efeito colateral da droga.

Um programa desse tipo exige uma supervisão constante para que os objetivos sejam alcançados de maneira plena e sustentada.1 Sendo assim, acreditamos que um profissional da área de enfermagem, especialmente treinado para exercer essa função, possa contribuir para aumentar a adesão. Nessa linha, 75% dos pacientes concordam e apoiam uma iniciativa desse tipo. Por outro lado, cabe aos gestores de saúde aumentar o acesso e reduzir a falta das medicações no sistema público, pois isto representou uma causa importante de não-adesão em nosso estudo. Observação semelhante foi relatada por Moreira et al. na cidade de Fortaleza – Ceará.10

Embora o questionário desenvolvido em nosso serviço tenha permitido uma avaliação ampla da não-adesão medicamentosa, uma vez que aborda diversos aspectos associados com esse problema, ele necessita ser validado para ser aplicado em estudos populacionais. Apesar dessa limitação, acreditamos que sua utilização permite uma estimativa bastante precisa dos principais fatores envolvidos na não-adesão.

Em conclusão, como mostra a Figura 1, nossos resultados revelam que o problema da não-adesão é multifa- torial. Consequentemente, é necessária uma abordagem multidisciplinar envolvendo não só o médico, mas também as áreas de enfermagem, serviço social, psicologia e nutrição. Ações integradas desses profissionais em associação com constante supervisão e orientação poderão aumentar a adesão, permitindo a redução dos custos da terapia renal substitutiva.


Figura 1. Inter-relação entre as diversas causas de não aderência medicamentosa nos pacientes em hemodiálise.

 

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1. INEFRO – Instituto de Nefrologia, Unidade de Taubaté – São Paulo. 

Correspondência para:
Manuel Carlos Martins Castro
Instituto de Nefrologia de Taubaté
Av. Bandeirantes, 3.100 
Taubaté – São Paulo, CEP: 12070-100
E-mail: mmcastro@inefro.com.br

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

Data de submissão: 19/01/2009
Data de aprovação: 23/04/2009

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