J. Bras. Nefrol. 2009;31(2):139-46.

Adesão ao tratamento imunossupressor no transplante renal

Danyelle Souza Silva, Maria Lucia Livramento, Lilian Monteiro Pereira, Elias David Neto

Resumo:

Introdução: A não-adesão à terapia imunossupressora é um fenômeno que ocorre após o transplante renal em todas as faixas etárias, predominando na população pediátrica e nos adolescentes. O assunto é muito importante, pois implica em aumento do risco de rejeição aguda tardia e perda do enxerto. Objetivo: O objetivo deste estudo foi revisar a literatura a respeito da não-adesão ao tratamento medicamentoso após o transplante renal. Métodos: Foi realizado um levantamento bibliográfico do período de janeiro de 2000 a julho de 2007 nas plataformas de dados SciELO, PubMed, LILACS e MEDLINE utilizando descritores relacionados a esse tema. Resultados: Não há uma definição consensual do termo não-adesão. Os estudos disponíveis utilizaram uma variedade de instrumentos combinados para mensurar a adesão ao tratamento imunossupressor. Este fato certamente influenciou as diferenças na prevalência de não-adesão encontradas nos estudos, bem como na escolha das estratégias para evitá-la. Apesar dos autores concordarem que múltiplos fatores interferem na ocorrência de não-adesão em pacientes transplantados renais, existe discordância no que tange à qualidade desses fatores. Destacam-se os seguintes: idade do receptor, raça, gênero, nível socioeconômico, tipo de doador, relação médico-paciente, tempo de transplante, complexidade da doença e fatores psicossociais. Conclusão: Não está estabelecido um padrão-ouro para mensuração e prevenção da não-adesão. Entendê-la como um processo que perpassa por diferentes “saberes” parece um caminho a ser percorrido para melhor compreensão e atuação frente a esta relevante questão.

Descritores: não-adesão, tratamento imunossupressor, transplante renal, insuficiência renal.

Abstract:

Introduction: Poor compliance with immunosuppressive treatment is seen after renal transplantation in patients of all ages, but it is more common in children and adolescents. This is an important matter because it increases the risk of late acute rejection and graft loss. The objective of this study was to review the literature on non-compliance with drug therapy after renal transplantation. Methods: SciELO, PubMed, LILACS, and MEDLINE databases from January 2000 to July 2007 were reviewed using descriptors related with this subject. Results: A widely accepted definition of non-compliance does not exist. The studies available used a variety of combined tools to measure compliance with immunosuppressive treatment. This, most likely, influenced the differences seen in the prevalence of non-compliance in patients after renal transplantation, as well as the choice of strategies to prevent it. Although the authors agreed that multiple factors interfere with the incidence of non-compliance after renal transplantation, they do not agree on the quality of those factors. Among those factors, we should mention: receptor age, race, gender, and socio-economical status, donor type, physician-patient relationship, time after transplantation, disease complexity, and psychosocial factors. Conclusion: A goldstandard method to measure and prevent non-compliance does not exist. The understanding that non-compliance is a multifactorial process seems to be the way to better understand and prevent this complex issue.

Descriptors: non-compliance, renal transplantation, immunosuppressive reatment, renal failure.

INTRODUÇÃO

A não-adesão ao uso da terapia imunossupressora (NA) é um tema importante, pois representa uma fonte potencial para o comprometimento de função e para a perda do enxerto renal. Essa condição é, provavelmente, subdiagnosticada ou identificada tardiamente quando já não é mais possível a reversão dos danos ao rim transplantado.

O termo NA tem sido utilizado por diversos pesquisadores, porém não há uma definição consensual entre eles. Recentemente tem-se utilizado como referência o conceito de adesão definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o qual afirma que: “a adesão ao tratamento é avaliada segundo o grau de cumprimento por parte do paciente das prescrições médicas”.1 

A NA ao tratamento medicamentoso tem sido associada a diversos fatores que estariam ligados ao comportamento do paciente frente ao profissional de saúde, ao tratamento e à sua patologia.2

Atualmente a sobrevida de um enxerto de rim ultrapassa a 90% ao final do primeiro ano após o transplante. A adesão dos pacientes à terapia imunossupressora é uma condição fundamental para a manutenção do funcionamento adequado do enxerto.3 O impacto da NA na sobrevida do enxerto renal é difícil de ser mensurado pela dificuldade em se identificar, na prática clínica, o descumprimento das orientações por parte do paciente.4 

Diante dessa questão crítica e pouco compreendida, que provavelmente impacta de modo significativo na sobrevida do enxerto renal, realizamos uma revisão da literatura científica almejando alcançar uma melhor compreensão do fenômeno da NA ao tratamento imunossupressor no transplante renal e avaliar as bases atuais da discussão deste tema de importância incontestável.

MÉTODOS 

Foi realizado um levantamento bibliográfico dos estudos publicados em língua inglesa, em revistas indexadas nas plataformas de dados SciELO, PubMed, LILACS e MEDLINE e pesquisados os descritores em inglês: “nonadherence”, “compliance”, “treatment refusal”, “renal transplant”, “kidney transplantation”, “therapeutics and kidney failure and chronic diseases” do período de janeiro de 2000 a julho de 2007. A NA associada à doença renal crônica, à hemodiálise ou ao transplante renal, foi avaliada em 90 artigos. Trinta e sete artigos eram relacionados especificamente ao transplante renal. Seis artigos foram excluídos por impossibilidade de acesso aos textos completos.

Foram, então, analisados 31 estudos que apresentavam os descritores supracitados. Dentre eles, oito foram artigos de revisão que utilizavam as plataformas de pesquisas reconhecidas mundialmente.1,5-10 Dois artigos eram estudos prospectivos, 3 eram estudos transversais e 18, estudos de pesquisa clínica (não discriminaram o método utilizado e usaram dados coletados na instituição, não necessariamente com o mesmo objetivo, em período anterior ao da pesquisa). Os estudos identificados estão resumidos na Tabela 1.

Entre os estudos clínicos, a medicação utilizada mais frequentemente foi a ciclosporina.4,7,11-14 Em apenas três estudos, os pacientes usavam tacrolimo.12,15,16 Um estudo utilizou, em períodos diferentes, os dois imunossupressores citados.13 Apenas quatro estudos relataram o uso de azatioprina pelos pacientes.17-20 

RESULTADOS

1. DEFINIÇÕES DE NA 

Poucos autores aplicaram a definição do termo NA padronizada pela OMS.1,21 Sete artigos relacionaram a NA ao comportamento de seguir a dieta, a medicação e a rotina médica.5,6,9,12,22-24 A maioria dos estudos avaliou a adesão somente no que tange à medicação imunossupressora.4,7,10,16,17,19,20,25-29

2. PREVALÊNCIA DE NA

A prevalência de NA em adultos foi avaliada em sete artigos e variou de 2 a 67%.5-8,13,19,22 Na população de adolescentes, a prevalência de NA encontrada variou de 5 a 70%.1,9,11,12,14,15,30 Na população pediátrica, dois estudos avaliaram a prevalência de NA e encontraram taxas ainda maiores, que variaram de 30% a 70%.10,21

3. MÉTODOS DE MENSURAÇÃO DE NA

A NA foi mensurada em 17 estudos.9-11,13-16,18-20,26-29,31-33 Os estudos utilizaram diferentes métodos para mensurar a NA. As técnicas de monitoramento utilizadas foram: o monitoramento eletrônico, as técnicas subjetivas e os exames clínicos.

A predominância do método de monitoramento eletrônico ocorreu em seis estudos4,5, 23, 25-27 e dois estudos aplicaram ambos os métodos, objetivos e subjetivos, ao mesmo tempo, revelando que métodos alternados podem aumentar a validade dos resultados.15,21 

O monitoramento eletrônico consiste no uso de sistemas de gravação através de dispositivos microeletrônicos (microchips), incorporados no recipiente da droga, que registram a data e o tempo, quando a tampa é aberta ou o aerossol é dispensado. Alguns autores têm considerado o monitoramento eletrônico como o “padrão-ouro” para medir a NA em pacientes transplantados renais.4,18 Entretanto, outros autores afirmaram que ainda não existe um modelo confiável para a mensuração da NA.24 

Outra técnica para a avaliação de aderência é a utilização da dosagem sanguínea dos imunossupressores, a qual é realizada rotineiramente para ajuste das doses das drogas utilizadas para o tratamento de manutenção contra a rejeição. A Tabela 2 apresenta os métodos de mensuração de NA e sua distribuição nos estudos.

4. CONSEQUÊNCIAS DA NA PARA O ENXERTO 

A maior parte dos estudos mostrou associação entre NA, rejeição aguda e perda de função. Sete deles afirmaram a existência de uma relação direta entre rejeição aguda e NA.9,10,16,20,24,27,29 Apenas um artigo concluiu que a NA em transplante, há mais de um ano, estaria associada a um maior risco de rejeição aguda e elevação da creatinina sérica durante o tratamento, em um período de cinco anos.10 Butler et al. afirmaram que o impacto da NA pode chegar a 36,4%, em média, de perda da função do enxerto.7 

A revisão sistemática realizada por Denhaerynck et al. mostrou que a diversidade de critérios para o diagnóstico de NA interfere significativamente na mensuração de sua prevalência e de seu papel na ocorrência de rejeição aguda e perda do enxerto renal na população de receptores de transplante. No entanto, esses autores estimaram que a contribuição da NA para perdas de enxerto e rejeições agudas foi de até 64% e 80%, respectivamente. A análise dos estudos que especificaram a metodologia utilizada para mensuração de NA revelou que ela esteve presente, em média, em 16,3% dos pacientes que perderam o enxerto renal e 19,9% daqueles que apresentaram rejeição aguda.5 

Provavelmente, o impacto da NA como causa dos eventos de rejeição aguda e perda do enxerto renal é subestimado. Esse fato foi ilustrado por Lawless et al., que em uma avaliação baseada em um banco de dados eletrônicos encontraram uma prevalência de 2% de NA associada à perda do enxerto cardíaco; a revisão detalhada das mesmas informações mostrou que a prevalência real era de 13%.5 

Denhaerynck et al. (2005) sugerem que é preciso repensar a avaliação da NA, reformulando a rotina dos centros, tornando-as integradas e registrando-as para evitar que categorias como rejeição aguda e nefropatia crônica do enxerto ocultem a NA subjacente.5 

Feinstein et al. estudaram 79 pacientes pediátricos pós-transplante e observaram que 13 pacientes foram considerados não aderentes (16,5%). A identificação dos pacientes como não aderentes foi realizada por meio da presença de queda inexplicável dos níveis sanguíneos de inibidor da calcineurina em 11 crianças. Em duas crianças, pela ocorrência de rejeição aguda na primeira indicação de “feriado da droga” (termo utilizado para determinar o não uso do medicamento, identificado pela primeira vez). Em sete pacientes, a rejeição aguda ocorreu após episódios sucessivos de “feriado da droga”. Todos os nove pacientes com rejeição aguda desenvolveram rejeição crônica. Apenas em quatro pacientes a NA não teve qualquer influência sobre a função do enxerto.16 

Morrisey et al. estudaram episódios de rejeição aguda associada à NA em uma coorte de pacientes transplantados renais. Encontraram uma incidência de 8,5% em pacientes com até 6 meses de transplante e de 52,5%, em pacientes com mais de 6 meses de transplante. Os autores relataram que a rejeição aguda associada à NA é mais tardia (556 dias) do que em outras etiologias (242 dias). Entretanto, não houve diferença significativa na sobrevida do enxerto após a rejeição aguda por qualquer causa. Neste estudo, a NA foi mensurada através de relato espontâneo do paciente. Esta é uma limitação do estudo, pois existe uma elevada probabilidade de que esse dado esteja subestimado, pela própria dificuldade que o paciente tem de assumir a NA.13 

5. FATORES DETERMINANTES E/OU PREDITORES 

O descumprimento com o tratamento imunossupressor esteve associado a uma diversidade de fatores, como pode ser observado na Tabela 3. Foram considerados preditores da NA: pacientes jovens, especialmente adolescentes, do gênero feminino, de raça negra, origem latina, com nível socioeconômico baixo e receptores de doador vivo.

Os fatores relatados pelos pacientes associados à NA referiram-se aos recursos psíquicos, conhecimento e atitudes, percepção das crenças e expectativas do paciente em relação à doença e ao tratamento.34 

De Geest et al. relataram que os fatores relatados pelos pacientes associados à NA aos imunossupressores foram: baixa autonomia para tomada da medicação, altos níveis de ansiedade ou hostilidade e percepção de controle externo. Um comportamento prévio de NA aos outros tratamentos no pré-transplante correlacionaram-se com a NA após o transplante, atuando como preditor para possível intervenção no futuro.35 

Os estudos que avaliaram os preditores de NA não conseguiram estabelecer uma relação direta entre eles. A maioria dos estudos apenas os relatou de modo descritivo, sem inferir nas relações entre os preditores. Essa dificuldade foi abordada por Denhaerynck et al., que enfatizaram a necessidade de ampliar a compreensão da relevância da NA, padronizar métodos para sua detecção, determinar a sua influência nos resultados clínicos (rejeição aguda e perda do enxerto), definir preditores de risco e estratégias para a prevenção e identificação precoce da sua ocorrência.5 

A prevalência de NA em pacientes pediátricos e adolescentes, particularmente, foi atribuída à instabilidade do processo de autonomia e autoafirmação característica dessa fase.13 Morrisey et al. conferiram à equipe multidisciplinar a tarefa de identificar e minimizar as complicações do transplante nessa fase.13 

A raça negra, o baixo nível de escolaridade e o baixo nível socioeconômico foram considerados preditores de NA em estudos americanos e europeus.13,26 Entretanto, não foram identificadas as relações desses preditores com fatores econômicos, culturais ou de compreensão do seu processo de doença ou do tratamento. Dada à diversidade de formas de financiamento do tratamento nos diferentes países, é possível que o fator econômico tenha um peso diferente a depender desta questão. No Brasil, o financiamento da terapia imunossupressora é provido pelo Sistema Único de Saúde, o que amplia o seu acesso à população; assim, possivelmente esse aspecto tem um comportamento diverso. No entanto, não foram encontrados dados locais para corroborar essa hipótese.

O suporte social e o estado de saúde mental também foram associados à NA no longo prazo.8 Existem evidências de que pacientes sem vida social ativa (solteiros, divorciados, desempregados), com sintomas de ansiedade e depressão, podem com o tempo não encontrar sentido na manutenção do tratamento; esse motivo foi citado por pacientes com NA e mais de um ano de transplante.26 

A recorrência de internações, os sintomas pós-transplante, principalmente os efeitos colaterais, edemas e as limitações físicas e funcionais podem ser atribuídas pelos pacientes de forma negativa ao transplante; também foram considerados por desencorajar o paciente a seguir com o medicamento. Por outro lado, a presença de convicções e crenças de “cura” da doença renal, assim como o retorno à rotina diária de tarefas “normais” pode resultar em NA.5 

Morrissey et al. concluíram que só uma equipe com uma visão psicossocial conseguirá reconhecer essa diversidade de preditores e correlacioná-los à NA em transplantados renais na prática clínica.13 

6. ESTRATÉGIAS ASSOCIADAS AO AUMENTO DA ADESÃO

A Tabela 4 mostra que a educação e a orientação fornecidas ao paciente pela equipe médica no pré-transplante parecem ser uma boa estratégia para diminuir a NA. A boa relação médico-paciente, desde a entrada em diálise, também foi um fator considerado importante para aderência do paciente ao tratamento imuno ssupressor.1,5,6,9,12,20 

DISCUSSÃO

A prevalência de NA variou bastante nas diversas casuísticas relatadas. Possivelmente, isto decorre da falta de homogeneidade na definição de NA e dos métodos para sua mensuração nos pacientes transplantados renais.1, 4, 6, 7, 10, 16, 19, 23-25, 28 Um estudo sugere que a prevalência de NA pode ser maior do que aquela relatada na literatura, devido a essa divergência.7 

A sobrevida do enxerto renal tem melhorado de modo significativo na última década, predominantemente no primeiro ano após o transplante, tanto em populações pediátricas quanto em adultos. Provavelmente essa melhora se deu em parte em decorrência dos avanços na terapia imunossupressora, na técnica cirúrgica e na melhora do cuidado clínico, tanto no período dialítico quanto após o transplante. Entretanto, no acompanhamento tardio dos pacientes, os resultados têm sido menos promissores. O impacto da NA é percebido de modo mais evidente em adolescentes do que na população de transplantados em geral.30 

O fato de que a NA em pacientes transplantados renais é mais frequente nas populações jovens pode decorrer tanto da imaturidade característica desta faixa etária (conflito entre autonomia e dependência) quanto da falta de informação. Alguns autores acreditam que estratégias específicas devam ser direcionadas a atender esses pacientes.1,9,10,12,14,20 Entretanto, a NA parece ocorrer em diferentes graus, em todas as faixas etárias, por diversos fatores, revelando a complexidade do assunto.

Apesar de haver divergências na literatura acerca dos preditores para NA, os dados sugerem que uma boa relação do paciente com a equipe de saúde, a disponibilidade de assistência psicológica pré e pós-transplante e o tempo curto de diálise são fatores que auxiliam na aderência dos pacientes ao tratamento imunossupressor.1,5,6,9,12,20 É possível que isso decorra de sensação de confiança na equipe de saúde e por levar o paciente a inferir a existência de cuidado e apoio.5 

A presença de outras comorbidades e as limitações a elas associadas podem frustrar as expectativas do paciente com relação à melhora clínica que o transplante renal é capaz de proporcionar. A observação de que o transplante renal é um tipo de tratamento e não se configura como “cura” pode dificultar a percepção dos efeitos positivos desse tratamento e reduzir a sua motivação com o tratamento, ao longo do tempo.

Os fatores sociodemográficos, a percepção do paciente, assim como fatores psicossociais e características específicas da adolescência revelam a complexidade da abordagem do paciente transplantado renal, pois evidenciam a subjetividade inerente ao processo de adaptação do paciente à nova realidade. Esses fatores pressupõem que os profissionais de saúde deverão desenvolver habilidades para reconhecer as dificuldades individuais dos pacientes e abordá-las.

Para vários autores, o monitoramento eletrônico é considerado como o “padrão-ouro” para mensurar a NA.14,18,19,23,25,26,28 No entanto, alguns autores questionam a confiabilidade dos dados obtidos, devido aos vieses desse tipo de instrumento,6 pois a informação fornecida sobre o uso de medicamento através de monitoramento eletrônico de pacientes transplantados ou em diálise pode ser limitada.

Embora considerado superior a métodos tradicionais como contagem de pílula ou diários de pacientes, confiar em informação proveniente desses dispositivos requer muitas suposições. Presume-se que abrindo a tampa o paciente, em seguida, proceda à remoção e ingestão das pílulas, porém, o paciente pode abrir a tampa e não tomar nenhum medicamento. Por outro lado, informar ao paciente que um medicamento é monitorado pode melhorar a aderência, devido à percepção de estar sendo vigiado. Esse fato não foi considerado por nenhum autor que se utilizou da premissa de que o monitoramento eletrônico seria o “padrão-ouro”, para aumentar a aderência dos pacientes, uma vez que nenhum estudo comparou a NA durante e depois do monitoramento eletrônico. Para o mesmo autor, o monitoramento eletrônico talvez possa ser um bom instrumento de medida de NA, mas não seria capaz de fornecer no longo prazo, em termos de custo/beneficio, vantagens no seu uso para manutenção do comportamento de aderência do paciente.

A NA em pacientes renais transplantados associou-se a piores resultados clínicos e contribuiu para 20% dos episódios de rejeição aguda e 16% das perdas de enxerto.5 A NA em transplantados renais gera custos financeiros e sociais tanto para o paciente quanto para a sociedade.6 Essas consequências atingem a qualidade de vida do paciente, que passa a sofrer hospitalizações recorrentes, diversos procedimentos invasivos e uso de terapia imunossupressora potente para o diagnóstico e tratamento da rejeição aguda do enxerto renal. Tornam-se inerentes a esse processo o aumento de custos financeiros para a instituição e o desgaste da equipe médica, além das consequências no âmbito familiar e de cuidado, que podem aumentar o nível de estresse do cuidador e restringir as atividades da vida diária do paciente.6 

É importante ressaltar que por ser multifatorial a NA pode estar associada a diversos outros fatores não abordados nos estudos acima descritos. Um exemplo de preditor de NA não mencionado pode ser o uso de corticoide associado ao inibidor de calcineurina, devido aos efeitos colaterais decorrentes dessa associação. Talvez os efeitos cosméticos do tratamento estejam relacionados com essa combinação e possivelmente com a NA nessa população específica.

CONCLUSÃO 

As estratégias propostas nos estudos analisados abrem espaço para a discussão a respeito da viabilidade da aplicação dos instrumentos e pertinência do uso dos mesmos em diversos contextos socioculturais. A relação multifatorial da NA tem sugerido que o uso de diversas técnicas intercaladas pode ser mais eficiente para se atingir a complexidade deste diagnóstico. Porém, nenhum estudo conseguiu propiciar um método capaz de atender as necessidades dos centros transplantadores bem como responder à demanda de padronização para utilização dos métodos disponíveis.

Futuros estudos na área deveriam padronizar uma definição para o termo NA. Desta forma, permitindo a mensuração de NA através do uso intercalado de técnicas objetivas e subjetivas capazes de atender à dimensão multifatorial do tema, ao estabelecimento de intervenções destinadas aos pacientes não-aderentes e à comparação dos dados dos diferentes centros transplantadores.

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1. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Correspondência para:
Danyelle Souza Silva
Pesquisa Clínica da Unidade de Transplante Renal da Divisão de Clínica Urológica
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255. 7º andar – sala 7.036 – Cerqueira César
São Paulo – CEP: 05403-900
E-mail: yelless@yahoo.com.br

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

Data de submissão: 23/05/2008
Data de aprovação: 02/06/2009

Adesão ao tratamento imunossupressor no transplante renal

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