J. Bras. Nefrol. 2008;30(1 suppl. 2):2-3.

Diretrizes Brasileiras de Prática Clínica para o Distúrbio Mineral e Ósseo na Doença Renal Crônica

Brazilian Guidelines for Bone and Mineral Disorders in CKD

 

INTRODUÇAO

A doença renal crônica (DRC) é um problema de saúde pública crescente em todo o mundo, que se acompanha de co-morbidades muitas vezes mais graves que a própria perda da funçao renal. Dentre elas, destacam-se aquelas relacionadas aos distúrbios do metabolismo mineral, que levam à doença óssea e cardiovascular, essa última responsável pela alta taxa de mortalidade observada nos pacientes com DRC. Os mecanismos comuns entre a doença óssea e cardiovascular se apóiam nas crescentes evidências de que alteraçoes na remodelaçao óssea favorecem o desenvolvimento de calcificaçoes extra-ósseas, principalmente as vasculares.

O termo osteodistrofia renal, até entao, bastante utilizado pelos nefrologistas para descrever a doença óssea da DRC, foi recentemente reavaliado pelo KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes), uma fundaçao sem fins lucrativos, criada em 2003, dirigida por um colegiado internacional, com a missao de melhorar o cuidado e a evoluçao da DRC, através do desenvolvimento e implementaçao de diretrizes de prática clínica. O KDIGO sugere dois termos distintos, a Osteodistrofia Renal (ODR) e o Distúrbio Mineral e Osseo da DRC (DMO-DRC). A ODR define as alteraçoes na histologia óssea avaliadas por biópsia. Já o DMO-DRC refere-se a uma síndrome que engloba as alteraçoes clínicas, bioquímicas (relativas ao cálcio, fósforo, PTH, vitamina D) e ósseas (relativas à remodelaçao, mineralizaçao e volume ósseo), além das calcificaçoes extra-ósseas presentes na DRC.

A ODR compreende um espectro de alteraçoes histológicas, e, com base na remodelaçao óssea, é classificada como doença de alta remodelaçao, representada pela doença óssea do hiperparatireoidismo secundário (HPS) ou osteíte fibrosa, e como doença de baixa remodelaçao, representada pela osteomalácia (OM) e doença óssea adinâmica (DOA). A doença mista (DM) é um estado intermediário entre a alta e baixa remodelaçao e, atualmente, é classificada como de alta remodelaçao. O depósito de alumínio no tecido ósseo pode estar presente, em diferentes intensidades, em qualquer dos tipos histológicos, embora sua relaçao causal seja mais evidente nas doenças de baixa remodelaçao. Concomitantemente à ODR, os pacientes com DRC podem desenvolver osteoporose com elevada taxa de fraturas.

Em relaçao ao diagnóstico da ODR, a biópsia óssea continua sendo o padrao- ouro, embora nao seja de uso corrente na prática clínica. As tentativas de substituiçao da biópsia óssea por marcadores séricos da remodelaçao óssea têm sido infrutíferas. Entre eles, o PTH-intacto é o mais utilizado, embora seus níveis séricos nao reflitam fielmente o estado de remodelaçao óssea. O uso de diferentes faixas de PTH-intacto que possam refletir a remodelaçao óssea tem sido o recurso utilizado para o manejo do paciente com ODR. Quanto à intoxicaçao alumínica, somente a biópsia óssea é capaz de fornecer o diagnóstico definitivo. Embora casos graves de intoxicaçao alumínica sejam raros atualmente, esse diagnóstico tem sido negligenciado pela falta de estudos na literatura, nos quais se pesquise a presença do metal no tecido ósseo. Com a interrupçao do uso de quelantes de fósforo à base de alumínio, a presença desse metal no dialisato passou a ser o principal fator causal da intoxicaçao alumínica. Desde que a água destinada para diálise é tratada adequadamente, cada vez mais se deve dar atençao à qualidade dos sais empregados na constituiçao do dialisato. Em nosso meio, apesar da ainda alta prevalência de intoxicaçao alumínica, seu controle nao é feito de forma adequada. Assim, a obrigatoriedade pelos órgaos governamentais da determinaçao única anual da concentraçao de alumínio na água de diálise é, sem dúvida, ineficaz e perdulária. Um bom controle da concentraçao de alumínio no dialisato, associado ao teste com desferroxamina, seria a prática clínica recomendada para o diagnóstico e controle da intoxicaçao alumínica.

Nos últimos anos, a hiperfosfatemia tomou um lugar de destaque na DRC, devido à sua associaçao com a calcificaçao extra-óssea e mortalidade, principalmente de causa cardiovascular. O controle do fósforo sérico tem sido um dos maiores desafios para os nefrologistas em todo o mundo. Desde que os métodos dialíticos sao pouco eficazes para a depuraçao do fósforo e seu controle dietético difícil de ser obtido, o uso de quelantes de fósforo torna-se imperativo.

Atualmente, o controle do DMO-DRC transcende a melhora da doença óssea e dos distúrbios do metabolismo mineral. A doença cardiovascular definitivamente está inserida neste contexto, uma vez que ela é a responsável direta pela alta taxa de mortalidade presente nos pacientes com DRC. Dada a complexidade dessa síndrome, várias diretrizes de prática clínica têm sido publicadas, com o objetivo de padronizar sua abordagem e medidas terapêuticas.

Estas diretrizes devem permanecer como um fórum aberto, uma vez que o advento de um novo arsenal terapêutico, composto por novos quelantes de fósforo, novos análogos da vitamina D e pelos calcimiméticos, deve modificá-las continuamente, visando à melhora da qualidade de vida dos pacientes com DRC.

Diretrizes Brasileiras de Prática Clínica para o Distúrbio Mineral e Ósseo na Doença Renal Crônica

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