J. Bras. Nefrol. 2007;29(1 suppl. 1).

Insuficiência Renal Aguda

Luis Yu, Bento F. Cardoso dos Santos, Emmanuel de Almeida Burdmann, Jose H. Rocco Suassuna, Paulo Benigno Pena Batista

Diretrizes da AMB – Sociedade Brasileira de Nefrologia

 

Comitê de Insuficiência Renal Aguda da Sociedade Brasileira de Nefrologia

Dr. Luis Yu – Coordenador

Dr. Bento F. Cardoso dos Santos
Dr. Emmanuel de Almeida Burdmann
Dr. Jose H. Rocco Suassuna
Dr. Paulo Benigno Pena Batista

I) CONCEITO DE INSUFICIENCIA RENAL AGUDA (IRA)

IRA é definida como a reduçao aguda da funçao renal em horas ou dias. Refere-se principalmente a diminuiçao do ritmo de filtraçao glomerular e/ou do volume urinário, porém, ocorrem também distúrbios no controle do equilíbrio hidro-eletrolítico e ácido-básico.

Existem na literatura mais de 30 definiçoes de IRA. A utilizaçao de diferentes definiçoes dificulta a comparaçao de estudos, a análise da evoluçao destes pacientes, bem como, a comparaçao de diferentes estratégias terapêuticas e de tratamentos dialíticos. Recentemente, uma rede internacional de especialistas propôs uma nova definiçao e classificaçao de IRA, a fim de uniformizar este conceito para efeitos de estudos clínicos e principalmente, prevenir e facilitar o diagnóstico desta síndrome, na tentativa de diminuir a alta morbidade e mortalidade ainda encontrada nos dias atuais.

Um grupo multidisciplinar internacional (AKIN) propoe a seguinte classificaçao baseada na dosagem sérica da creatinina e no volume urinário (Tabela 1):

II) CLASSIFICAÇAO CLINICA DA IRA

1. IRA PRÉ-RENAL – Este quadro ocorre devido à reduçao do fluxo plasmático renal e do ritmo de filtraçao glomerular. Principais causas: hipotensao arterial, hipovolemia (hemorragias, diarréias, queimaduras).

Observaçoes complementares no diagnóstico de IRA pré-renal:

    • a) oligúria nao é obrigatória
      b) idosos podem ter a recuperaçao após 36h da correçao do evento – aguardar 48h
      c) NTA por sepse, mioglobinúria e por contraste podem ser nao-oligúricas e nos casos de oligúria, podem apresentar FENa < 1% e/ou FEU ≤ 35%
  •           d) diuréticos podem aumentar a FENa na IRA pré renal – usar FEU ≤ 35%

2. IRA RENAL (Intrínseca ou estrutural) – A principal causa é a necrose tubular aguda (NTA isquêmica e/ou tóxica). Outras causas: nefrites tubulo-intersticiais (drogas, infecçoes), pielonefrites, glomerulonefrites e necrose cortical (hemorragias ginecológicas, peçonhas).

Situaçoes especiais comuns:

a) NTA SÉPTICA (associada a duas ou mais das seguintes condiçoes de SIRS)

    • temperatura > 38º C ou < 36º C
    • frequência cardíaca > 90bpm
    • frequência respiratória > 20ipm
      • PaCO

    2

      < 32mmhg
      • leucócitos > 12.000 ou < 4.000mm

    3

    • mais de 10% de bastoes ou metamielócitos
    • foco infeccioso documentado ou hemocultura positiva

b) NTA NEFROTOXICA

    • uso de nefrotoxina em tempo suficiente
    • níveis séricos nefrotóxicos precedendo a ira
    • ausência de outras causas possíveis
    • reversao após a suspensao da nefrotoxina
    • recidiva após a reinstituiçao
    • e.g. sao nao-oligúricas

c) IRA POR GLOMERULOPATIAS

    • Exame de urina I com proteinúria e proteinúria acima de 1g/dia
    • hematúria com dismorfismo eritrocitário positivo ou cilindros hemáticos no sedimento urinário
    • biópsia renal positiva

d) IRA POR NEFRITE INTERSTICIAL AGUDA

    • forte suspeita clínica
    • uso de droga associada a NIA – Por ex., penicilinas, cefalosporinas, quinolonas, alopurinol, cimetidina, rifampicina
        • febre e

      rash cutâneo ou eosinofilia

      • manifestaçoes periféricas de hipersensibilidade
      • patologias frequentemente associadas: leptospirose, legionella, sarcoidose
      • biópsia renal positiva

e) IRA VASCULAR

dor lombar

    • hematúria macroscópica
    • contexto clínico predisponente
    • ICC, estados de hipercoagulaçao, vasculites, síndrome nefrótica
    • evento cirúrgico precipitante
    • confirmaçao com exame de imagem
    • cintilografia compatível
    • Tomografia ou angioressonância magnética
      • arteriografia compatível

f) EMBOLIZAÇAO POR COLESTEROL

    • evento precipitante até 30 dias
    • manipulaçao de grandes vasos
    • cateterismo arterial
      anticoagulaçao, petéquias
    • trauma
  •  livedo reticularis
      • eosinofilia
    • hipocomplementemia

g) IRA HEPATORENAL

    • Critérios Maiores – todos devem estar presentes para o diagnóstico
    • perda de funçao renal (ClCr < 60ml/min ou Cr > 1,5mg/dL)
    • ausência de outras causas de IRA
    • ausência de melhora após expansao plasmática
    • ausência de melhora após suspensao de diuréticos
    • proteinúria < 500mg/dia
    • ausência de obstruçao urinária
    • ausência de IRA parenquimatosa
    • Critérios Menores – podem estar presentes ou nao
    • diurese < 500ml/dia
    • sódio urinário < 10meq/l
    • osmolalidade urinária > plasmática
    • sódio sérico < 130meq/l
    • hemácias na urina < 50 p/c

3. IRA POS-RENAL (OBSTRUTIVA) – Secundárias a obstruçao intra ou extra-renal por cálculos, traumas, coágulos, tumores e fibrose retroperitoneal.

    • a) obstruçao urinária
      b) dilataçao pielocaliceal ao exame ultrasonográfico
    • c) diâmetro antero-posterior da pelve renal maior que 30 mm ou
    • d) diâmetro ap da pelve maior que diâmetro ap do rim
      • e) evidência clínica de iatrogenia intra-operatória
      f) anúria total

III) QUADRO CLINICO

História Clínica – É importante para estabelecer a causa subjacente (diminuiçao do volume extracelular, drogas, contrastes radiológicos, sepse), os fatores de risco (idade, disfunçao renal prévia, co-morbidades) e a gravidade da IRA. Manifestaçoes clínicas específicas sao incomuns, mas febre, mal estar, “rash” cutâneo e sintomas musculares ou articulares podem estar associados a nefrites intersticiais, vasculites ou glomerulonefrites. Dor lombar ou supra-púbica, dificuldade de micçao, cólica nefrética e hematúria podem sugerir IRA pós-renal.

Exame físico – Sinais e sintomas da IRA dependem da causa e do grau de comprometimento da funçao renal, sendo frequentemente inespecíficos e mascarados pela doença de base. A observaçao de sinais de hipovolemia e hipotensao arterial ou sinais de obstruçao do trato urinário auxiliam o diagnóstico diferencial de IRA pré ou pós-renal. Devem-se procurar sinais associados com a etiologia e complicaçoes da IRA. A presença de livedo reticular e micro-infartos digitais podem sugerir doença renal ateroembólica. Pacientes com dispnéia, ortopnéia, edema, turgência jugular e estertoraçao pulmonar podem estar hipervolêmicos, enquanto aqueles com fraqueza muscular ou paralisia ascendente podem estar com hiperpotassemia. A Tabela 2 descreve as principais manifestaçoes órgao-específicas encontradas em pacientes com IRA.

CLASSIFICAÇAO DA IRA QUANTO A DIURESE

    • i. anúrica total: 0-20ml/dia
    • ii. anúrica: 20 a 100ml/dia
    • iii. oligúrica: 101 a 400ml/dia
    • iv. nao-oligúrica: 401 a 1200ml/dia
      • v. poliúrica: 1201 a 4000ml/dia
      vi. hiperpoliúrica: > 4000ml

IV) DIAGNOSTICO LABORATORIAL –

1. Sangue: Elevaçao de escórias nitrogenadas (uréia, creatinina, ácido úrico), acidose metabólica, hipo ou hipernatremia, hiperpotassemia, hipo ou hipercalcemia e hiperfosfatemia e anemia normocítica e normocrômica. Deve-se utilizar o clearance estimado de creatinina para o estabelecimento do nível real da funçao renal. Pode-se utilizar duas fórmulas para a estimativa do RFG:

– Cockcroft & Gault –

    • Clearence de Cr (ml/min) = (140-idade) x Peso / (72 x Cr)
      • Sexo feminino = clearance x 0,85
      Idade: anos; peso: kg; Cr plasmática: mg/dL

– MDRD simplificada (Levey) –

      • Clearance de Cr (ml/min) = 186 x Cr-1,154
      •  x idade-0,203
    • Sexo feminino = clearance x 0,742
    • Negros = clearance x 1,21

2. Urina: Avaliaçao de osmolalidade, sódio, creatinina, uréia e sedimento urinário.

3. Exames de Imagem: ultra-sonografia com doppler (tamanho, forma, ecogenicidade, simetria, número de rins, obstruçao/estenose vascular e uropatia obstrutiva). Exames contrastados devem ser evitados, inclusive os exames de ressonância magnética nuclear devido ao risco de Fibrose Nefrogênica Sistêmica.

4. Biópsia renal: Indicada apenas em casos selecionados. Estes incluem a causa desconhecida para o quadro, evoluçao atípica e/ou prolongada, suspeita de nefrite intersticial, necrose cortical, doença ateroembólica, glomerulonefrites agudas ou rapidamente progressivas e vasculites.

V) DIAGNOSTICO DIFERENCIAL – IRA PRÉ RENAL VS. RENAL (NTA)

Quadro Clínico – Sintomas e Sinais de hipovolemia, hipotensao arterial ou desidrataçao.
Indices de funçao tubular que podem auxiliar no diagnóstico diferencial (Tabela 3)

Dentre os índices tradicionais, a FeNa apresenta o melhor desempenho, mas é falseada por diversas situaçoes prevalentes em pacientes com IRA, incluíndo a ausência de oligúria, presença de disfunçao hepática, uso de diuréticos de alça, manitol, contraste radiológico ou excreçao de elevada carga osmolar por aporte dietético. Nestes casos, a fraçao de excreçao da uréia (FeU), calculada como [(uréia urinária/uréia plasmática)/(creatinina urinária/creatinina plasmática)] x 100(%), pode ser utilizada para o diagnóstico diferencial da IRA pré-renal versus parenquimatosa em pacientes com doença crítica.

Embora pouco utilizados, deve-se considerar que existem sérios problemas potenciais na ressuscitaçao de pacientes sépticos que podem ser prevenidos pela utilizaçao judiciosa dos índices urinários. Em pacientes oligúricos, com FeNa ou FeU elevadas, a ressuscitaçao volêmica forçada nao tem a capacidade de melhorar a funçao renal e pode resultar em edema pulmonar, hipóxia, necessidade de ventilaçao mecânica e síndrome de desconforto respiratório.

Por fim, deve ter em mente que nenhum dos índices oferece discriminaçao perfeita. Estes testes devem ser considerados como ferramentas auxiliares que nao substituem as informaçoes complementares fornecidas pela história, exame físico e exame do sedimento urinário.

V) DIAGNOSTICO DIFERENCIAL – IRA VS. IRC

Perda de funçao renal lenta e progressiva, presença de sinais e sintomas de uremia avançada (anemia, coloraçao amarelo-palha, sintomas neurológicos e digestivos) sao sugestivos de IRC. Cilindros largos no sedimento urinário também sugerem IRC.

Antecedentes de HA, diabetes, nefropatias, doença vascular podem auxiliar, mas também sao causas predisponentes para IRA agudizada (que se desenvolve em pacientes com algum comprometimento prévio da funçao renal). Em caso de dúvida persistente, a ultra-sonografia pode mostrar rins contraídos ou hipercogênicos na IRC e rins de aspecto normal ou aumentado na IRA. A exceçao é a nefropatia diabética que podem evoluir para IRC com preservaçao do aspecto renal sonográfico próximo da normalidade.

VI) DIAGNOSTICO DIFERENCIAL – Necrose Tubular Aguda (NTA)

A NTA, isquêmica ou nefrotóxica, constitui-se na principal causa de IRA. Em adultos, o diagnóstico diferencial deve incluir as nefrites túbulo-intersticiais (NIA) e as glomerulonefrites (GN). Em crianças, incluiu-se também a síndrome hemolítico-urêmica (SHU) e GN. Além do quadro clínico, a interpretaçao correta do exame de urina pode auxiliar no diagnóstico. Quando identificados em tempo hábil, a maioria dos pacientes com quadros atípicos de insuficiência renal aguda apresenta doenças passíveis de tratamento clínico ou cirúrgico. A Tabela 4 descreve as principais alteraçoes clínicas e laboratoriais para o diagnóstico diferencial etiológico da IRA.

VII) PREVENÇAO DA IRA

Existem situaçoes clínicas em que é previsível a possibilidade de lesao renal, tais como, no uso de drogas nefrotóxicas, cirurgias de grande porte, quadros infecciosos sistêmicos graves e liberaçao de pigmentos (mioglobina, hemoglobina, bilirrubina). Nestas situaçoes é possível prevenir ou ao menos amenizar a gravidade da insuficiência renal.

1. Estabeleça o nível basal de funçao renal por dosagem de creatinina sérica ou depuraçao de creatinina. Lembre-se que a dosagem de creatinina é um marcador pouco sensível de funçao renal, isto é, pacientes com creatinina sérica menor do que 1,5 mg/dl podem estar com reduçoes significativas da filtraçao glomerular. Pacientes com creatinina elevada apresentam maior possibilidade de desenvolver lesao renal após procedimentos de risco ou uso de drogas nefrotóxicas. Deve-se utilizar o clearance estimado de creatinina para o estabelecimento da funçao renal.

2. Otimize as condiçoes clínicas do paciente. A medida mais importante é assegurar que o volume intravascular esteja convenientemente expandido. Mantenha pressao arterial média acima de 80 mmHg (ou mais, se o paciente for hipertenso), hematócrito acima de 30% e oxigenaçao tecidual adequada.

3. Em doentes sob terapia intensiva e mantidos com drogas vasoativas é particularmente difícil estimar a adequaçao do volume intravascular. Nesses casos, pode ser preciso utilizar medidas complementares para avaliaçao da volemia. Estas incluem a pressao venosa central, a saturaçao venosa de oxigênio, ecocardiografia e testes dinâmicos de volemia como a variaçao da pressao de pulso (deltaPP) após infusao rápida ou elevaçao passiva dos membros inferiores.

4. Evite o uso de drogas nefrotóxicas em pacientes com funçao renal já comprometida. Corrija as doses das drogas de acordo com a funçao renal, mantenha o paciente adequadamente hidratado e monitorize a funçao renal. Evite associaçao de drogas nefrotóxicas.

5. Nao utilize diuréticos de alça para prevençao de nefrotoxicidade.

6. Em caso de mioglobinúria e hemoglobinúria, o uso de soluçao salina expansora, bicarbonato de sódio e manitol reduzem a prevalência e a gravidade da lesao renal.

VIII) TRATAMENTO CLINICO

1. Assegure-se que o volume intravascular esteja expandido. Mantenha pressao arterial média acima de 80mmHg, hematócrito acima de 30% e oxigenaçao tecidual adequada.

2. Evite hiperhidrataçao, que poderá causar edema, hipertensao, insuficiência cardíaca e hiponatremia. IRA é um processo hipercatabólico e um paciente que nao estiver perdendo ao redor de 300 g de peso corporal por dia quase certamente está em balanço positivo de água. Lembre-se que o melhor parâmetro para diagnosticar precocemente hiperhidrataçao é o peso diário.

3. Previna hipercalemia diminuindo a ingestao de potássio e evite drogas que interfiram com a sua excreçao. Trate agressivamente hipercalemias graves ou sintomáticas através de infusao endovenosa de cálcio, soluçoes polarizantes (glicose e insulina), uso de agonistas β2, correçao da acidose, resinas de troca iônica e hemodiálise.

4. Tome precauçoes extremas contra processos infecciosos. Evite antibioticoterapia desnecessária, quebras da barreira cutâneo-mucosa (sondas, cateteres, etc) e pesquise cuidadosamente a presença de focos infecciosos. A maior causa de mortalidade em pacientes com IRA é septicemia.

5. Nutra o paciente. Tente obter o balanço nitrogenado menos negativo possível através da administraçao de uma relaçao calórico/protéica adequada. Evite restriçoes alimentares severas. Se a sobrecarga de volume for um problema nao contornável clinicamente, inicie diálise precocemente ou a intensifique.

IX) TRATAMENTO DIALITICO – INDICAÇOES DE DIALISE NA IRA

Existem situaçoes onde o tratamento dialítico (hemodiálise, diálise peritoneal e hemofiltraçao) é emergencial por haver um risco iminente para a vida do paciente. Entretanto, a melhor conduta é prevenir a necessidade de diálise de urgência pela prática da indicaçao precoce de diálise antes do surgimento do quadro de uremia franca e/ou de complicaçoes clínicas, metabólicas e eletrolíticas.

As principais indicaçoes dialíticas sao:

– Hiperpotassemia – acima de 5,5 meq/L com alteraçoes ao ECG ou maior que 6,5 meq/L
– Hipervolemia: edema periférico, derrames pleural e pericárdico, ascite, hipertensao arterial e ICC
– Uremia: sistema nervoso central (sonolência, tremores, coma e convulsoes) sistema cardiovascular (pericardite e tamponamento pericárdico), pulmoes (congestao pulmonar e pleurite), aparelho digestivo (náuseas, vômitos e hemorragias digestivas)
– Acidose metabólica grave
– Outras: hipo ou hipernatremia, hipo ou hipercalcemia, hiperuricemia, hipermagnesemia, hemorragias devido a distúrbios plaquetários, ICC refratária, hipotermia e intoxicaçao exógena

X. TERAPIA RENAL DE SUBSTITUIÇAO (TRS) NA IRA – OBJETIVOS

A terapia renal de substituiçao tem como objetivos a correçao das anormalidades metabólicas decorrentes da disfunçao renal, a regulaçao do equilíbrio e balanços influenciados pelos rins (ácido-básico, eletrolítico, hídrico, volêmico e nutricional). Além disto, visa o manejo do líquido extracelular em pacientes com falência orgânica múltipla, a preservaçao e o auxílio na recuperaçao das disfunçoes orgânicas (renal, SNC, CV, Respiratória, GI, VO2, etc.) e eventualmente, a manipulaçao/remoçao de mediadores que contribuem para o estado de desregulaçao da resposta inflamatória na doença critica. A Tabela 5 descreve os principais objetivos da TRS na IRA.

XI. MÉTODOS DE TERAPIA RENAL DE SUBSTITUIÇAO

A Tabela 6 apresenta os principais métodos disponíveis para o tratamento dialítico da IRA.

ANTICOAGULAÇAO

Na realizaçao dos métodos hemodialíticos, a anticoagulaçao é obrigatória, interferindo diretamente na eficiência e durabilidade da terapêutica dialítica. Vários métodos de anticoagulaçao encontram-se disponíveis para uso em sistemas hemodialíticos (TABELA 7). A heparina continua sendo o agente anticoagulante mais utilizado.

O método ideal de anticoagulaçao corresponde àquele que oferece melhor patência dos filtros dialisadores sem, no entanto, aumentar o risco de hemorragias ou comprometer o equilíbrio metabólico dos pacientes. A técnica de avaliaçao do efeito anticoagulante deve ser simples e segura, existindo, idealmente, um antídoto à disposiçao. Na seleçao do melhor método de anticoagulaçao, deve-se considerar alguns fatores: a técnica hemodialítica utilizada, o quadro clínico do paciente, a familiaridade com a droga disponível e a infra-estrutura para o ajuste de sua dose. O mau posicionamento ou dobras dos cateteres de duplo lúmen para hemodiálise representam fatores desencadeantes de coagulaçao do sistema.

A escolha do agente anticoagulante deve ser individualizada para cada paciente e relacionada ao caso clínico. Assim, em hepatopatas, em pacientes com coagulaçao intravascular disseminada e no pós-operatório de grandes cirurgias, é mandatória a investigaçao de possíveis sangramentos espontâneos, bem como, a determinaçao do número de plaquetas e dos tempos de coagulaçao para determinaçao do risco de anticoagulaçao (TABELA 8). Nestes grupos, os procedimentos sem anticoagulaçao ou com esquemas regionais trazem benefícios e menor incidência de complicaçoes.

XII. ESCOLHA INICIAL DO MÉTODO DIALITICO PARA O TRATAMENTO DA IRA

A Tabela 9 apresenta sumariamente as principais indicaçoes clínicas e os métodos preferenciais. Entretanto, estas indicaçoes nao devem ser seguidas estritamente, em decorrência da complexidade e instabilidade dos pacientes portadores de IRA, que freqüentemente está associada a quadros de falência múltipla de órgaos, de alteraçoes hemodinâmicas e laboratoriais em decorrência de estados hipercatabólicos, associados a hemorragias ou quadros infecciosos. Nao existem, presentemente, evidências substanciais sobre a superioridade de qualquer um destes métodos para o tratamento dialítico destes pacientes. Entretanto, estudos que avaliam aspectos hemodinâmicos demonstram superioridade dos métodos contínuos na manutençao do débito cardíaco, da pressao arterial, da pressao intracraniana e da pressao de perfusao cerebral durante estes procedimentos. Independentemente do método dialítico escolhido, nao se deve retardar o início da diálise, assim como, deve-se oferecer a melhor e mais eficiente terapia dialítica disponível. Assim, a escolha do método dialítico depende do julgamento clínico exercido pelo nefrologista à vista do paciente e do momento clínico, claramente mutável, dos pacientes críticos.

XIII. PROGNOSTICO DA IRA

O prognóstico da IRA continua grave, com mortalidade ao redor de 50%, apesar dos avanços tecnológicos no manejo de pacientes graves e das técnicas de diálise. Certamente, diversos fatores contribuem para a manutençao deste quadro, ressaltando-se a maior gravidade e o maior número de comorbidades que os pacientes atuais apresentam. Alguns fatores têm sido consistentemente associados a um pior prognóstico: oligúria, falência de múltiplos órgaos e septicemia. A despeito deste quadro grave e do aumento da incidência hospitalar da IRA, há evidências recentes de queda da mortalidade nos últimos anos. Além disto, tem sido relatado taxas de morbidade e mortalidade mais elevadas a longo prazo para aqueles pacientes sobreviventes de IRA, indicando a necessidade de seguimento ambulatorial destes pacientes após a alta hospitalar.

Este quadro grave e complexo reforça a necessidade de prevençao da IRA, como a opçao terapêutica mais eficaz e a atençao às características da doença crítica como um todo, ao invés da simples preocupaçao com os aspectos exclusivamente nefrológicos do tratamento. O sucesso final do tratamento dependerá da capacidade de interaçao produtiva entre os múltiplos profissionais, médicos (nefrologistas, intensivistas e outros especialistas) e profissionais de saúde (enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas e técnicos) envolvidos na atençao a estes pacientes portadores de IRA.

XIV. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS SELECIONADAS

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