J. Bras. Nefrol. 2005;27(1 suppl. 1):32-4.

Nefropatia diabética

NEFROPATIA DIABÉTICA

Cerca de 20% a 30% dos pacientes portadores de Diabetes Mellitus (DM) evoluem com nefropatia. No diabetes tipo 2 (DM2) uma fraçao menor desenvolve insuficiência renal crônica terminal (IRCT), entretanto devido a maior prevalência em relaçao ao diabetes tipo 1 (DM1), esses pacientes constituem 50% do grupo de diabéticos em diálise(1). Esta patologia tem-se tornado a principal causa de IRCT nos Estados Unidos e Europa e a segunda causa no Brasil(2). Entretanto, a instituiçao de medidas rígidas como controle da glicemia, da pressao arterial, dos lipídeos, somada a um estilo de vida adequado sem fumo ou álcool e à pratica de atividade física regular poderá modificar de modo favorável a evoluçao natural da nefropatia diabética(3).

Podemos reconhecer três fases clínicas da nefropatia diabética: (1) nefropatia incipiente caracterizada pela presença de albumina na urina de 24 horas entre 30 e 200 mg; (2) nefropatia clínica com proteinúria, inclusive de nível nefrótico; (3) insuficiência renal.

Sem intervençoes específicas, 80% dos pacientes portadores de DM1 com microalbuminúria evoluirao para nefropatia clínica e hipertensao arterial sistêmica (HAS) e 50% destes, num prazo de 10 anos, apresentarao IRCT (3). Em relaçao ao DM2, a nefropatia clínica se desenvolverá em 20 a 40% dos casos, sendo que 20% destes também apresentarao IRC terminal(4,5).

Controle Glicêmico

No estudo Diabetes Control and Complication Trial (DCCT)(6), o controle glicêmico em pacientes com DM1 foi responsável pela reduçao em 39% da ocorrência de microalbuminúria e 54% de proteinúria. Nos pacientes com DM2, o estudo United Kingdom Prospective Dia – betes Study (UKPDS) mostrou, após um melhor controle glicêmico, taxas reduzidas de retinopatia, neuropatia e nefropatia. Com 12 anos de observaçao, houve uma reduçao em 33% no desenvolvimento de microalbuminúria(7). Metas mais rígidas, isto é, hemoglobina glicosilada < 6%, vêm sendo testadas no estudo ACCORD(8), com o intuito de avaliar os riscos e os benefícios desta estratégia.

Recomendaçoes(3,9)

Controle Pressórico

No DM1, a hipertensao é usualmente secundária à nefropatia, manifestando-se em paralelo com a microalbuminúria. No DM2, ela está presente em 30% dos pacientes na época do diagnóstico de diabetes e apresenta etiologia variável podendo ser essencial, secundária à nefropatia ou fazer parte da síndrome plurimetabólica(10).

Tanto a hipertensao sistólica como a diastólica aceleram a progressao da nefropatia e o tratamento agressivo é capaz de reduzir a albuminúria, a velocidade de queda da filtraçao glomerular, a mortalidade e a necessidade de diálise(11). Em um intervalo de 16 anos, o controle pressórico diminuiu a mortalidade de 94% para 45% e a necessidade de diálise de 73% para 31% em pacientes com DM1 e nefropatia já instituída(3).

A terapia anti-hipertensiva com inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) em DM1, atingindo níveis de pressao sistólica e diastólica inferiores a 130 e 80 mmHg, respectivamente, determina um benefício seletivo em relaçao a outras classes de drogas. Observa-se um retardo na progressao de micro para macroalbuminúria, uma lentificaçao no declínio da taxa de filtraçao glomerular nos pacientes já com nefropatia clínica e uma reduçao nos riscos de doença cardiovascular(12,13). No estudo UKPDS, o controle pressórico se acompanhou de um benefício ainda maior que o controle glicêmico com reduçao de 37% da ocorrência de qualquer complicaçao microvascular no DM2(7). Ainda nao existem comparaçoes adequadas entre o IECA e o antagonista do receptor da angiotensina (BRA), entretanto no DM2 o uso de BRA diminuiu a taxa de progressao da nefropatia incipiente para a nefropatia clínica e desta para a IRC terminal(14,15,16).

Recomendaçoes(3,1)

Controle Lipêmico

Pacientes portadores de diabetes apresentam uma maior prevalência de anormalidades lipídicas, o que contribui como fator de risco independente para DCV(18). Estudos objetivando níveis de LDL-colesterol < 100mg/dl, de HDL-colesterol > 40mg/dl e de triglicérides < 150mg/dl alcançaram reduçoes significantes nos eventos coronarianos e cerebrovasculares(19). A terapia farmacológica deve ser iniciada após e, em alguns casos de maior risco, em conjunto com intervençoes para o controle glicêmico e nutricional, a reduçao de peso, o nao uso de fumo ou álcool. A escolha da droga dependerá do tipo de alteraçao encontrada, podendo ser realizada com estatinas, fibratos, ácido nicotínico. Vale a pena ressaltar que a terapia combinada pode ser útil em alguns casos, entretanto o risco de eventos adversos, como miosite, pode estar aumentado, especialmente nos pacientes diabéticos com insuficiência renal (20,21). A elevaçao dos níveis lipídicos contribui para o desenvolvimento de glomerulosclerose; entretanto, na nefropatia diabética, este achado nao se encontra tao bem caracterizado. Um estudo prospectivo, em pacientes com DM1 e HAS, associou níveis elevados de colesterol com progressao da doença renal(22). Também há evidências de que em diabéticos normotensos com microalbuminúria, o controle lipêmico com sinvastatina é responsável por queda de até 25% na excreçao de albumina(23).

Recomendaçoes (24)

Uso de IECA/BRA em pacientes diabéticos normotensos com albuminúria

Todo paciente diabético com excreçao urinária de albumina normal deverá ser rigorosamente tratado em relaçao ao controle glicêmico, ao controle pressórico e ao estilo de vida, a fim de reduzir o risco de evoluçao para a fase de nefropatia incipiente. Em relaçao aos pacientes com DM1, normotensos, sem microalbuminúria, ainda nao há evidências suficientes para se recomendar a utilizaçao de IECA ou BRA Entretanto, em pacientes portadores de DM1, normotensos, com microalbuminúria, a utilizaçao de IECA se mostrou eficaz em diminuir a excreçao de albumina quando comparada ao placebo (25,26,27,28,29). Em relaçao ao DM2, a microalbuminúria nao é um preditor tao eficaz de nefropatia como no DM1. Nesses pacientes, a nefropatia clínica ocorreu em 22 a 42%, mas observou-se uma alta freqüência de morte por DCV. Em muitos casos ela está presente no momento do diagnóstico de diabetes e é geralmente devido a outros fatores como aterosc lerose(30,31). Entretanto, Ravid et al. demonstraram que apenas 12% dos pacientes em uso de IECA progrediram para nefropatia clínica em relaçao a 42% no grupo placebo(13). Pelo risco aumentado de nefropatia e de DCV, a utilizaçao de IECA ou BRA deve ser encorajada em todo paciente diabético com microalbuminúria(13,32).

Recomendaçoes

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

1. DeFronzo RA: Diabetic nephropathy: etiologic and therapeutic considerations. Diabetes Rev 3:510-64,1995.

2. Pinto FM, Ançao MS, M & Ferreira SRG: Contribuiçao da nefropatia diabética para a insuficiência renal crônica na Grande Sao Paulo. Braz. J. Nephrol. (J. Bras. Nefrol.) 19:256-63,1997.

3. American Diabetes Association: Nephropathy in Diabetes. Diabetes Care 27(S1):S79-83,2004.

4. Gaede P, Vedel P, Parving HH, Pedersen O: Intensified multifactorial intervention in patients with type 2 diabetes mellitus and microalbuminuria: the Steno type 2 randomised study. Lancet 353:617-22,1999.

5. Gaede P, Vedel P, Larsen N: Multifactorial intervention and cardiovascular disease in patients with type 2 diabetes. N Engl J Med 348:383-93,2003.

6. The Diabetes Control and Complications Trial Research Group: Effect of intensive therapy on the development and progression of diabetic nephropathy in the diabetes control and complications trial. Kidney Int 47:1703-20,1995.

7. UK Prospective Diabetes Study Group: Intensive bloodglucose control with sulphonylureas or insulin compared with conventional treatment and risk of complications in patients with type 2 diabetes (UKPDS 33). Lancet 352:837-53,1998.

8. Halimi S, Charpentier G, Grimaldi A, et al. Effect on compliance, acceptability of blood glucose self-monitoring and HbA(1c) of a self-monitoring system developed according to patients wishes. The ACCORD study. Diabetes Metab 27:681-7,2001.

9. American Diabetes Association: Diabetes Care 27(S1):S15-35,2004.

10. The treatment of hypertension in adult patients with diabetes. Diabetes Care 25:134-47,2002.

11. Bakris GL, Williams M, Dworkin L, et al: Preserving renal function in adults with hypertension and diabetes: a consensus approach. Am J Kidney Dis 36:646-61,2000.

12. The ACE inhibitors in diabetic nephropathy trialist group. Should all type 1 diabetic microalbuminuric patients receive ACE inhibitors? A meta-regression analysis. Ann Intern Med 134:370-9,2001.

13. Ravid M, Lang R, Rachmani R, Lishner M: Long-term renoprotective effect of angiotensin converting enzyme inhibition in non-insulin dependent diabetes mellitus. Arch Intern Med 156:286-9,1996.

14. Lewis EJ, Hunsicker LG, Clarke WR, et al: Renoprotective effect of the angiotensin-receptor antagonist irbesartan in patients with nephropathy due to type 2 diabetes. N Engl J Med 345:851-60,2001.

15. Brenner BM, Cooper ME, de Zeeuw D, et al: Effects of losartan on renal and cardiovascular outcomes in patients with type 2 diabetes and nephropathy. N Engl J Med 345:861-9,2001.

16. Parving HH, Lehnert H, Brochner-Mortensen J, et al: The effect of irbesartan on the development of diabetic nephropathy in patients with type 2 diabetes. N Engl J Med 345:870-8,2001.

17. American Diabetes Association: Hypertension management in adults with diabetes. Diabetes Care 27(S1):S65-7,2004.

18. Haffner SM: Management of dyslipidemia in adults with diabetes (Technical Review). Diabetes Care 21:160-781998.

19. Tumer RC, Millns H, Neil HA, et al: Risk factors for coronary artery disease in non-insulin dependent diabetes mellitus (UKPDS 23). BMJ 316:823-8,1998.

20. Heart Protection Study Collaborative Group: MRC/BHF Heart Protection Study of cholesterol-lowering with sinvastatina in 5963 people with diabetes: a randomised placebo-controlled trial. Lancet 361:2005-16,2003.

21. NCEP Expert Panel on Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults. JAMA 285:2486-97,2001.

22. Krolewski AS, Warram JH, Christlieb AR. Hypercholesterolemia – a determinant of renal function loss and deaths in lDDM patients with nephropathy. Kidney Int 45:S125-31,1994.

23. Tonolo G, Ciccarese M, Brizzi P. Reduction of albumin excretion rate in normotensive microalbuminuric type 2 diabetic patients during long-term simvastatin treatment. Diabetes Care 20:1891-5,1997.

24. American Diabetes Association: Dyslipidemia Management in Adults with Diabetes. Diabetes Care 27(S1):S68-71,2004.

25. Viberti G, Mogensen CE, Groop LC: Effect of captopril on progression to clinical proteinuria in patients with insulindependent diabetes mellitus and microalbuminuira. JAMA 271:275-9,1994.

26. The Microalbuminuria Captopril Study Group: Captopril reduces the risk of nephropathy in lDDM patients with microalbuminuria. Diabetol 39:587-93,1996.

27. Mogensen CE, Christensen CK: Predicting diabetic nephropathy in insulin-dependent patients. N Engl J Med 311:89-93,1984.

28. Parving H-H, Oxenbol B, Svendesen PAA, et al. Early detection of patients at risk of developing diabetic nephropathy: a longitudinal study of urinary albumin excretion. Acta Endocrinol 100:550-5, 1982.

29. Viberti GC, Hill RD, Jarrett RJ, et al: Microalbuminuria as a predictor of clinical nephropathy in insulin-dependent diabetes mellitus. Lancet 1:1430-2,1982.

30. Mogensen CE: Microalbuminuria predicts clinical proteinuria and early mortality in maturity onset diabetes. N Engl J Med 310:356-60,1984.

31. Nelson RG, Knowler WC, Pettitt DJ, et al : Assessing risk of overt nephropathy in diabetic patients from albumin excretion rate in untimed urine specimen. Arch Intern Med 151:1761-5,1991.

32. Jensen JS, Feldt-Rasmussen B, Strandgaard S: Arterial hypertension, microalbuminuria and risk of ischemic heart disease. Hypertension 35:898-903,2000.

Nefropatia diabética

10.600

Comentários