J. Bras. Nefrol. 2004;26(3 suppl. 1):22-5.

Potássio e Bicarbonato

Cláudia Maria de Barros Helou

POTASSIO

Todo o paciente com Doença Renal Crônica (DRC) deve ser avaliado para a prevençao da Hipercalemia e Hipocalemia.

Justificativa: A manutençao do potássio corpóreo depende de um balanço integrado. Onde, a ingestao e a absorçao do potássio pelo intestino encontram-se de um lado e a sua eliminaçao pela urina e pelas fezes estao no outro lado. Assim, em condiçoes normais, um indivíduo deve ingerir cerca de 100meq de potássio por dia, pois 90 meq serao eliminados na formaçao diária da urina e os outros 10meq na formaçao das fezes (1,2).

Na Doença Renal Crônica observam-se mecanismos adaptativos para aumentar a excreçao do K+ nos néfrons remanescentes como também no intestino. Estes mecanismos têm limite e assim, a hipercalemia será observada quando a filtraçao glomerular atingir valores menores do que 10ml/min. Entretanto, a hipercalemia também poderá ocorrer em certas situaçoes em que a reduçao da filtraçao glomerular for moderada, ou seja a filtraçao glomerular estiver entre 10 e 60ml/min. Estes sao os casos (1,2) em que o paciente:

  • aumentar a ingestao de maneira excessiva de frutas, legumes frescos, carnes e sais substitutivos do cloreto de sódio. Ou entao, no caso destes pacientes receberem administraçao parenteral como pode ocorrer nas transfusoes sangüíneas.
  • apresentar oligúria
  • estiver em situaçao clínica de grande lise celular como ocorre nos casos de trauma, convulsoes generalizadas, hemólise e nos tratamentos com quimioterápicos das neoplasias.

Além das situaçoes acima descritas, certos medicamentos dificultam a eliminaçao do potássio pelos rins. E assim, a hipercalemia poderá ocorrer. Os principais medicamentos sao os que bloqueiam a secreçao e/ou a açao da aldosterona (1,2). A Tabela 1 resume os principais exemplos destes medicamentos.

Alerta: A avaliaçao do potássio plasmático é entao recomendada nas avaliaçoes clínicas periódicas dos pacientes portadores da Doença Renal Crônica em especial atençao aos que estiverem nas situaçoes clínicas acima citada (1,2).

Atençao também deve ser dispensada quando o paciente apresentar acidemia metabólica e estiver em uso de β-bloqueadores (Propranolol, Atenol, Selokem e outros). Nestes casos, parte do estoque de potássio é liberado para o extra-celular resultando em hipercalemia (1,2).

Os pacientes aidéticos também requerem vigilância pois podem apresentar Hipoaldosteronismo (3) e muitas vezes estao recebendo altas dose de “Bactrim” para o tratamento da Pneumocystis carinii (4). Nível de evidência II grau de recomendaçao A

Risco de Hipocalemia em pacientes portadores de doença renal crônica

Justificativa: A hipocalemia em pacientes portadores de Doença Renal Crônica nao é freqüente. Entretanto, isto pode ocorrer nos pacientes (1,2):

  • com distúrbios no Sistema Digestório (vômitos, diarréias).
  • em uso excessivo de diuréticos espoliadores de potásssio (“Lasix”).
  • em uso de broncodilatadores β estimulantes (Salbutamol, Berotec e outros). Nestes casos, esta drogas induzem a entrada do potássio para o intra-celular.
  • em restriçao dietética excessiva.
  • e em situaçoes de Doenças Tubulares como no caso da Doença de Fanconi.

Alerta: A preocupaçao em manter o potássio plasmático nos valores considerados normais (3,5 a 5meq/l) porque tanto a hipocalemia como a hipercalemia sao fatores de risco para arritmias cardíacas e morte súbita (5). Nível de evidência II grau de recomendaçao A

Os bloqueadores do sistema renina angiotensina devem ser utilizados com cautela em situaçoes de hipoaldoste – ronismo-hiporreninêmico.

Nível de evidência I, grau de recomendaçao A

Justificativa: O uso dos inibidores do Sistema Renina-Angiotensina (inibidores da ECA) vem sendo demonstrado como benéfico no tratamento de pacientes portadores de Doença Renal Crônica (6,7). Nível de evidência I, grau de recomendaçao A

Entretanto, os pacientes portadores de Doença Renal Crônica devido a Diabetes Mellitus e/ou Nefrite Intersticial apresentam risco de desenvolverem hipercalemia mesmo em vigência de Insuficiência Renal moderada (8-10). Estes pacientes apresentam deficiência em secretar aldosterona muitos por apresentarem a Síndrome do Hipoaldosteronismo Hiporeninêmico. Nível de evidência II, grau de recomendaçao A

Alerta: Como o risco da ocorrência da hipercalemia é maior nos pacientes com Doença Renal Crônica devido a Diabetes Mellitus e/ou Nefrite Intersticial, as atençoes descritas acima, em especial o uso de medicamentos que impedem a eliminaçao do potássio na urina deve ser aumentada (7). Nível de evidência I, grau de recomendaçao A

Atençao deve-se também, ao se analisar os resultados divulgados de estudos epidemiológicos de grandes amostras populacionais. Pois, alguns estudos podem relatar uma baixa incidência de hipercalemia. Entretanto, esta observaçao poderá ser decorrente a um efeito “diluidor” devido a grande amostragem de pacientes com Doença Renal Crônica (11) ou a exclusao destes pacientes do estudo (6).

O risco da hipercalemia nao difere entre os pacientes com Doença Renal Crônica que recebem inibidor da ECA ou bloqueador do receptor da angiotensina II (7) ou que receberam os dois medicamentos associados (6,12-14). Nível de evidência II, grau de recomendaçao A.

BICARBONATO

Deverao ser suplementados com o bicarbonato de sódio os pacientes portadores de Doença Renal Crônica com acidose metabólica.

Justificativa: Diariamente, um indivíduo normal gera de 13 000 a 20 000mmol de ácido volátil (ácido carbônico) e 40 a 60mmol de ácidos fixos resultantes do seu metabolismo. Esta carga ácida é eliminada através da integraçao entre os Sistemas de Tampoes, Respiratório e Renal. Com a reduçao do número de néfrons, os rins nao conseguem exercer de maneira adequada esta funçao. Assim, os pacientes portadores da Doença Renal Crônica passam a apresentar acidemia metabólica.

A suplementaçao com bicarbonato de sódio é recomendada a pacientes portadores de Doença Renal Crônica com acidemia metabólica nos casos em que o tratamento dialítico nao está indicado. A suplementaçao com bicarbonato de sódio exclui os pacientes com oligúria e/ou risco de formaçao de edema e/ou risco de piora da Hipertensao Arterial (1-3). A recomendaçao da suplementaçao com bicarbonato de sódio é para que os pacientes tenham preservaçao da massa muscular e nao desenvolvam doença óssea (4-8). Nível de evidência III, grau de recomendaçao B.

Alerta: No caso dos pacientes portadores de Doença Renal Crônica devido a doença tubular, a suplementaçao com bicarbonato de sódio deve ser feita como também nas crianças na fase de crescimento (1,9).

A determinaçao do CO2 total deverá ser feita rotineiramente de acordo com o estágio da Doença Renal Crônica:

Estágio 3 – cada 12 meses

Estágio 4 – cada 3 meses

Nível de evidência V, grau de recomendaçao D

O nível do CO2 total deve ser > 22mEq/L. Se necessário, sais alcalinos devem ser administrados para atingir esta meta.

Nível de evidência I, grau de recomendaçao A.

A suplementaçao de bicarbonato de sódio por via endovenosa poderá causar aumento da tonicidade plasmática e risco de hipercalemia (10,11). Nível de evidência III, grau de recomendaçao B.

REFERENCIAS

1. KAMEL K.S., HALPERIN M.L., FABER M.D., STEIGERWALT S.P., HERLIG C.W., NARINS R.G.: Disorders of Potassium Balance. In Brenner B.M. (ed.) The Kidney, 6th ed., W.B. Saunders Company, Philadelphia, pp., 2000.

2. OSORIO F.V., LINAS S.L.: Disorders of Potassium Metabolism. In Schrier R.W. (ed.) Atlas of Diseases of the Kidney, http://www.kidneyatlas.org

3. HOSHINO Y., YAMASHITA N., NAKAMURA T., IWAMOTO A.: Prospective examination of adrenocortical function in advanced AIDS patients. Endocr J 49(6):641-7,2002.

4. MEDINA I., MILLS J., LEOUNG G., HOPEWELL P.C., LEE B., MODIN G., BENOWITZ N., WOFSY C.B.: Oral therapy for Pneumocystis carinii pneumonia in the acquired immunodeficiency syndrome. A controlled trial of thrimethropim-sulfamethoxazole versus thrimethoprim-dapsone. N Eng J Med 323(12):776-82,1990.

5. MICHAUD G.F., STICHERLING C., TADA H., ORAL H., PELOSI F. JR, KNIGHT B.P., MORADY F., STRICKBERGER S.A., American Heart Association, American College of Cardiology: Relationship between serum potassium concentration and risk of recurrent ventricular tachycardia or ventricular fibrillation. J Cardiovasc Electrophysiol 12(10):1109-1112,2001.

6. RUGGENENTI P., PERNA A., REMUZZI G.: ACE inhibitors to prevent end-stage renal disease: when to start and why possibly never to stop: A Pos Hoc analysis of the REIN trial results. J Am Soc Neprol 12:2832-2837,2001.

7. BAKRIS G.L., WEIR M.R.: Angiotensin-converting enzyme inhibitor-associated elevations serum creatinine: is this a cause for concern? Arch Intern Med 160(5):685-93,2000.

8. SCHAMBELAN M., SEBASTIAN A., BIGLIERI E.G.: Prevalence, pathogenesis, and functional significance of aldosterone deficiency in hyperkalemic patients with chronic renal insufficiency. Kidney Int 17:89-94,1980.

9. DU BOSE T.D. JR: Hyperkalemic hyperchloremic metabolic acidosis: Pathophysiologic insights. Kidney Int 51:591-602,1997.

10. CRONIN C.C., BARRY D., CROWLEY B., FERRIS J.B.: Reduced plasma aldosterone concentrations in randomly selected patients with insulin-dependent diabetes mellitus. Diabet Med 12(9):809-15,1995.

11. RUGGENENTI P., SCHIEPPATI A., REMUZZI G.: Progression,remission, regression of chronic renal diseases. Lancet 357:1601-1608,2001.

12. PRESTON R.A., BALTODANO N.M., ALONSO A.B, EPSTEIN M.: Comparative effects on dynamic renal potassium excretion of inhibition versus angiotensin receptor blockade in hypertensive patients with type II diabetes mellitus. J. Clin. Pharmacol 42(7):754-61,2002.

13. AGARWAL R.: Add-on angiotensin receptor blockade with maximized ACE inhibition. Kidney Int 59(6):2282-9,2001.

14. RUILOPE L.M., ALDIGIER J.C., PONTICELLI C., ODDOUSTOCK P., BOTTERI F., MANN J.F.: Safety of the combination of valsartan and benazepril in patient with chronic renal disease. European Group for the Investigation of Valsartan in Chronic Renal Disaease. J. Hypertens 18(1):89-95,2000.

BICARBONATO

1. KOPPLE J.D.: Dietary considerations in patients with advanced chronic renal failure, acute renal failure, and transplantation. In Schrier R.W. & Gottschalk C.W. (ed) Diseases of the kidney, 6th ed, Little, Brown and Company, Boston pp2913-2962,1997.

2. STEINMAN TI.: Kidney protection: how to prevent or delay chronic renal failure. Geriatrics 51(8):28-35,1996.

3. BAILEY J.L., MITCH W.E.: Metabolic acidosis as a uremic toxin. Semin Nephrol 16(3):160-6,1996.

4. ROBERTS R.G., GILMOUR E.R., GOODSHIP T.H.: The correction of acidosis does not increases dietary protein intake in chronic renal failure patients. Am J Kidney Dis 28(3):350-3,1996.

5. VEROVE C., MAISONNEUVE N., EL AZOUZI A., BOLDRON A., AZAR R.: Effect of the correction of metabolic acidosis on nutritional status in elderly patients with chronic renal failure. J Ren Nutr 12(4):224-8,2002.

6. GARIBOTTO G., RUSSO R.,SOFIA A., SALA M.R., SABATINO C., MOSCATELLI P., DEFERRARI G., TIZIANELLO A.: Muscle protein turnover in chronic renal failure patients with metabolic acidosis or normal acid-base balance. Miner Electrolyte Metab 22(1-3):58-61,1996.

7. RUSTOM R., GRIME J.S., COSTIGAN M., MALTBY P., HUGHES A., TAYLOR W., SHENKIN A., CRITCHLEY M., BONE JM. Oral sodium bicarbonate reduces proximal renaltubular peptide catabolism, ammoniogenesis, and tubular damage in renal patients. Renal Failure 20(2):371-82,1998.

8. LU K.C., LIN S.H., YU F.C., CHYR S.H., SHIEH S.D.: Influence of metabolic acidosis on serum 1,25(OH)2D3 levels in chronic renal failure. Miner Electrolyte Metab 21(6):398-402,1995.

9. SORIANO J.R.: Renal Tubular Acidosis: The clinical entity. J Am Soc Nephrol 13:2160-2170,2002.

10. PASSFALL J., PAI J., SPIES K.P., HALLER H., LUFT F.C.: Effect of water and bicarbonate loading in patients with chronic renal failure. Clin Nephrol 47(2):92-8,1997.

11. CONTE G., DAL CANTON A., IMPERATORE P., DE NICOLA L., GIGLIOTTI G., PISANTI N., MEMOLI B., FUIANO G., ESPOSITO C., ANDREUCCI V.E.: Acute increase in plasma osmolality as a cause of hyperkalemia in patients with renal failure. Kidney Int 38(2):301-7,1990.

Potássio e Bicarbonato

23.641

Comentários