J. Bras. Nefrol. 2004;26(3 suppl. 1):42-3.

Avaliação do Estado Nutricional

Marcus G. Bastos

Diretriz no…. Os pacientes com DRC devem ser submetidos, regularmente, a avaliaçao da ingestao calóricoprotéica e do estado nutricional. A freqüência recomendada é 1-3 meses nos pacientes com DRC estágios IV e V e a cada 6-12 meses no estágio III (se nao houver evidências de desnutriçao). (A/I)

A monitorizaçao freqüente da ingestao calóricoprotéica deve ser iniciada a partir da FG < 60mL/min/1,73 m2, quando já se observa diminuiçao dos níveis séricos de albumina.1 Idealmente, o estado nutricional deve ser avaliado por um conjunto de parâmetros nutricionais que inclui a albumina sérica, peso corporal, avaliaçao global subjetiva e a avaliaçao da ingestao de proteína através nPNA ou inquérito alimentar.2 Outros marcadores do estado nutricional como os níveis séricos de pré-albumina, transferrina, bicarbonato, colesterol total e lípides, parecem depender do nível do FG.2 A freqüência da monitorizaçao do estado nutricional recomendado é de 1-3 meses para os pacientes com DRC estágios IV e V e a cada 6-12 meses no estágio III, se nao houver evidências de desnutriçao.3

Diretriz no…. As recomendaçoes dietéticas para pacientes com DRC sao: a. Ingestao protéica de 0,75g/kg/d nos pacientes com FG > 30mL/min/1,73m2 e de 0,6g/kg/d nos pacientes com FG < 30mL/min/1,73m2 ; e b. Ingestao energética > 30-35kcal/kg/d. (A/I)

A prescriçao do conteúdo protéico das dietas em pacientes com DRC é complicado pelo conflito potencial entre os objetivos de obter retardo na progressao da doença renal e de preservaçao do estado nutricional protéico. As evidências sao insuficientes para se recomendar ou nao a restriçao de proteína da dieta com o objetivo de retardar a progressao da DRC.2,3

A quantidade ingerida de proteínas e calorias relaciona-se ao nível da FG; abaixo de 60mL/min/1,73m2, observa-se reduçao da ingestao calórico-protéica alimentar. A diretriz nutricional 24 proposta no K/DOQI recomenda uma ingestao de proteína de 0,6g/kg/d para os pacientes com FG < 25mL/min/1,73 m2 (que corresponde aos estágios IV e V da DRC), mas nao faz mençao aos casos com níveis maiores de FG.2 Na ausência de dados conclusivos conclusivos dos efeitos benéficos das dietas com baixo conteúdo protéico na progressao da DRC, recomenda-se dietas com 0,75 gramas de proteína/kg/d (recomendada para indivíduos adultos normais) para os pacientes nos estágios I-III da DRC e que nao apresentam sinais de desnutriçao.3

A diretriz nutricional 25 do K/DOQI recomenda 30-35kcal/kg/dia para os pacientes com FG < 25mL/min/1,73 m2 (estágios IV e V da DRC), porém nao contempla FG mais elevadas.2 A ingestao calórica permitida depende do gasto energético do indivíduo. Os valores relativamente altos de ingestao calórica proposta para os pacientes com FG < 25mL/min/1,73m2 baseia-se nos estudos que demonstram maior eficácia na utilizaçao de nitrogênio nestas condiçoes. Nos pacientes com DRC estágios I-III, a recomendaçao de dietas com valores calóricos mais elevados está indicado quando o peso corporal estiver abaixo do desejável ou houver evidências de desnutriçao.3

Diretriz no…. A ocorrência de desnutriçao calórico-protéica (DCP), após tentativas de corrigi-la e afastadas outras causas nao relacionadas a ingestao alimentar, pode ser critério de indicaçao de terapia de substituiçao renal. (A/I)

O início e a gravidade da desnutriçao calórico-protéica se relaciona com o nível da FG, sendo mais freqüente nos pacientes com FG < 60mL/min/1,73m2. Sao fatores para a DCP: alteraçoes no metabolismo de energia e calorias, distúrbios hormonais, anorexia, náuseas e vômitos (relacionados a toxinas urêmicas), comorbidades (diabetes, doença vascular periférica) e a ocorrência de infecçao e inflamaçao.3

A desnutriçao é considerada um marcador de mau prognóstico na DRC.4,5 O estado ou ingestao nutricional dos pacientes se correlaciona inversamente com o risco de hospitalizaçao e mortalidade, e constitui um fator de risco clinicamente importante na evoluçao clínica subseqüente dos pacientes.6 Contudo, é possível que condiçoes comorbidas per se determinem a piora da ingestao alimentar, com conseqüente aumento da morbimortalidade. A ocorrência de desnutriçao e a presença de inflamaçao se associam com pior prognóstico na DRC.7,8

A baixa ingestao calórico-protéica é uma causa importante de desnutriçao na DRC. Estudos mostram uma relaçao forte entre a quantidade dos alimentos ingeridos (particularmente proteínas) e o estágio de desnutriçao em pacientes com DRC.9,10 Porém, é importante reconhecer que existem outras causas de desnutriçao na DRC. A acidose metabólica e a inflamaçao, observadas nos pacientes com DRC e FG < 60mL/min/1,73m2, podem determinar o aumento do catabolismo e a supressao da síntese protéica.11,12 A diminuiçao do FG também se associa com resistência a insulina e a menor produçao do fator de crescimento e do fator de crescimento insulina-like 1, reconhecidamente hormônios anabólicos (mais evidentes em crianças com DRC e com déficit de crescimento).13,14,15 A relaçao inversa entre o FG e os níveis séricos de citocinas inflamatórias e proteínas de fase aguda sugere um estado inflamatório crônico em pacientes nos estágio III-V da DRC, o qual pode determinar anorexia, maior catabolismo protéico de músculos esqueléticos e diminuiçao do anabolismo.8,16,17 Assim, a ocorrência ou persistência de DCP nos pacientes com DRC, após as tentativas de otimizaçao a ingestao de proteínas e calorias, e o desenvolvimento de anorexia podem indicar a necessidade de TSR.2,17

Finalmente, é importante ressaltar que as intervençoes nutricionais mais eficazes em portadores de DRC contam com a participaçao de nutricionista. É fundamental o envolvimento dos pacientes em seus tratamentos, despertando neles a conscientizaçao sobre a importância da ingestao calórico-protéica adequada e a necessidade da prevençao da hiperfosfatemia, deficiências de vitaminas e sais minerais e hiperlipidemia.2,3

REFERENCIAS

1. Eustace JA, Astor B, Muntner PM, Ikizler TA, Coresh J: Inflammation and acidosis are important independent predictors of hypoalbuminemia in renal insufficiency. J Am J Nephol 12:201A,2001(abstr)-NívelIII

2. NKF-K/DOQI Clinical Practice Guidelines for Nutrition in Chronic Kidney Disease. Am J Kidney Dis 35:S1-S140,2000Suppl2)-Nível V

3. NKF-K/DOQI Clinical Practice Guidelines for Chronic Kidney Disease: Evaluation, Classification, and Stratification. Am J Kidney Dis 30:S1-S266,2002(Suppl1)-NívelV

4. Ikizler TA, Hakin RM: Nutrition in end-stage renal disease. Kidney Int 50:343-357,1996-NívelV

5. Bergstrom J: Nutrition and mortality in hemodialysis. J Am Soc Nephrol 6:1329-1341,1995-NívelV

6. Lowrie EG, Huang WH, Lew NL, Liu Y: The relative contribution of measured variables to death risk among hemodialysis patients, in Friedman EA (ed): Death on Hemodialysis. Amsterdam, The Netherlands, Kluwer Academic, 1994,pp121-141-NívelV

7. Ikizler TA, Wingard RL, Harvell J, Shyr Y, Hakim RM: Association of morbidity with markers of nutrition and inflammation in chronic hemodialysis patients: A prospective study. Kidney Int 55:1945-1951,1999-NívelIII

8. Stenvinkel P, Heimburger O, Paultre F, Diczfalusy U, Wang T, Berglund L, Jogestrand T: Strong association between malnutrition, inflammation, and atherosclerosis in chronic renal failure. Kidney Int 55:1899-1911,1999-NívelIII

9. Kopple JD, Greene T, Chumlea WC, Hollinger D, Maroni BJ, Merril D, Scherch LK, Schulman G, Wang SR, Zimmer GS: Relationship between nutritional status and glomerular filtration rate: Results from the MDRD study. Kidney Int 57:1688-1703,2000-NívelI

10. Ikzler TA, Greene JH, Wingard RL, Parker RA, Hakim RM: Spontaneous dietary protein intake during progression of chronic kidney disease. J Am Soc Nephrol 6:1386-1391,1995-NívelIII

11 . Graham KA, Renaich D, Channon SM, Downie S, Goodship TH: Correction of acidosis in hemodialysis decreases wholebody protein degradation. J Am Soc Nephrol 8:632-637,1997

12. Ballmer PE, Imoberdorf R: Influence of acidosis on protein metabolism. Nutrition 11:462-468,1995-NívelV

13. Tonshoff B, Blum WF, Mehls O: Deragements of the somatotropic hormone axis in chronic renal failure. Kidney Int 58:S106-S113,1997(Suppl58)-NívelIII

14. Saborio P, Hahn S, Hisano S, Latta K, Scheinmann JI, Chan JC: Chronic renal failure: An overview from a pediatric perspective. Nephron 80:134-148,1998-NívelIII

15. Boirie Y, Breyer M, Gagnadoux MF, Niaudet P, Bresson JL: Alterations of protein metabolism by metabolic acidosis in children with chronic renal failure. Kidney Int 58:236-241,2000-NívelIII

16. Panichi V, Migliori M, De Pietro S: C reactive protein in patients with chronic renal diseases. Ren Fail 23:551-562,2001-NívelIII

17. Owen WF Jr, Lew NL, Liu Y, Lowrie EG, Lazarus JM. The urea reduction ratio and serum albumin concentration as predictors of mortality in patients undergoing hemodialysis. N Engl J Med 1993;329:1001-1006-NívelIV

 

Creative Commons License
Avaliação do Estado Nutricional

Comentários