J. Bras. Nefrol. 2004;26(3 suppl. 1):47-9.

Indicações, escolha do método e preparo do paciente para a Terapia renal substitutiva (TRS), na Doença Renal Crônica (DRC)

Pasqual Barretti

Os pacientes portadores de DRC devem ser encaminhados ao nefrologista, para preparo da TRS, quando apre – sentarem filtraçao glomerular (FG) menor que 30ml/min ou mais precocemente.

Grau de recomendaçao C, Nível de evidência IV.

Jungers e cols (1), comparando pacientes encaminhados ao nefrologista mais que 6 meses antes do início do tratamento dialítico, com aqueles que foram encaminhados cerca de 1 mês antes, observaram que o grupo com encaminhamento mais precoce apresentou menores níveis séricos de fósforo e maiores níveis de bicarbonato, hematócrito e albumina. O mesmo grupo teve menor custo terapêutico por paciente, menores médias de dias de hospitalizaçao por ano, e maior percentagem de casos com acesso vascular permanente, ao início da diálise.Na série brasileira de Sesso e Belasco (2), pacientes encaminhados mais que 3 meses antes do início da diálise tiveram 13% de óbitos, enquanto que os encaminhados menos que 1 mês do início da diálise tiveram taxa de óbito de 29%. Resultados semelhantes foram observados em outras séries (3,4).

Pacientes e familiares devem receber durante a fase prédialítica orientaçao sobre a DRC e seu tratamento, assim como sobre os riscos e benefícios associados a cada modalidade terapêutica.

Grau de recomendaçao D, Nível de evidência V.

A terapia dialítica deve ser iniciada a partir da identificaçao das manifestaçoes do síndrome urêmico (Quadro 1), que constituem indicaçoes inequívocas de diálise e que, em geral, ocorrem em pacientes com FG < 10ml/min.

 


Grau de recomendaçao D, Nível de evidência V.

Estas indicaçoes correspondem a grau avançado de uremia, sao estabelecidas e aceitas desde o advento da terapia dialítica como método de tratamento (5).

A terapia dialítica deve ser indicada em pacientes com DRC que apresentarem sinais de desnutriçao protéicoenergética (DPE), como reduçao espontânea da ingestao protéica diária; hipoalbuminemia, reduçao da massa corporal magra, avaliaçao nutricional global subjetiva (SGA) compatível com desnutriçao, na ausência de condiçoes comórbidas que justifiquem esse quadro, sem resposta às medidas de orientaçao dietética.

Grau de recomendaçao B, Nível de evidência III.

Justificativa: Há forte associaçao entre indicadores do estado nutricional e o prognóstico, em pacientes dialisados. Em estudo evolvendo 7719 pacientes, menores níveis basais de índice do massa corporal, albumina sérica, creatinina sérica, da contagem de linfócitos e do escore da SGA foram independentemente associados com significante maior risco de morte (6).

A terapia dialítica melhora o apetite e os marcadores antropométricos e bioquiímicos do estado nutricional, como referido nas séries de Pupim e cols (7) e de Mehrotra e cols (8)

O início da terapia dialítica, deve ser estabelecido pelo nefrologista com base na filtraçao glomerular e quadro clínico do paciente.

Grau de recomendaçao C, Nível de evidência IV.

As informaçoes disponíveis nao permitem estabelecer consenso acerca da FG adequada para início da diálise crônica.

Segundo o grupo de trabalho do DOQI/NKF (9), a terapia dialítica deve ser iniciada quando o “clearance” fracional renal de uréia (Krt/V) estiver abaixo de 2,0, o que corresponde a uma FG entre 9 e 14ml/min e a uma FG, calculada pela média entre as depuraçoes de uréia e creatinina, de aproximadamente 10,5ml/min/1,73m2.

Bonomini e cols (10) observaram maior probabilidade de sobrevida em 12 anos em pacientes que iniciaram a diálise crônica com depuraçao de creatinina endógena maior que 10ml/min, comparando-se àqueles que iniciaram esse tratamento com níveis inferiores a 4ml/min. Korevaar e cols (11) nao observaram diferenças na probabilidade de sobrevida em dois anos, entre pacientes que iniciaram tratamento tardiamente, em relaçao à recomendaçoes do DOQI/NKF, que aqueles cuja indicaçao seguiu essas recomendaçoes . Na série de Traynor e cols (12), também nao se observaram diferenças na probabilidade de sobrevida em 10 anos, entre os pacientes com FG de 10,4ml/min e aqueles com FG de 6,7ml/min ao início do tratamento.

Para a maior parte dos indivíduos e na ausência de contra-indicaçoes, a escolha do método para a TRS pode se basear na preferência do paciente.

Grau de recomendaçao C, Nível de evidência IV.

Para os pacientes dialisados, em geral, quando as amostras populacionais sao ajustadas para idade, sexo, raça e condiçoes comórbidas nao há evidências que suportem a superioridade de um dos métodos, quanto à sobrevida do paciente (13,14).

A idéia preconizada de resultados melhores da diálise peritoneal em pacientes diabéticos, coronariopatas e cardiopatas nao tem sido confirmada em estudos observacionais, envolvendo grande número de pacientes, havendo necessidade de estudos aleatorizados e prospectivos para melhor esclarecimento da morbimortalidade dos diversos métodos dialíticos em subgrupos específicos (14,15,16).

A DP deve ser o método de escolha em pacientes que nao toleram a HD e naqueles com impossibilidade de obtençao de adequado acesso vascular. Está, entretanto, contra-indicada nas situaçoes expressas no Quadro 2.

Grau de recomendaçao D, Nível de evidência V.

O transplante renal está indicado na DRC, estando o paciente em diálise ou mesmo em fase pré-dialítica (pré-emptivo), quando a FG estiver abaixo de 20ml/min. Diretrizes da Associaçao Médica Brasileira sobre Indicaçoes e Contra-Indicaçoes do Transplante Renal acham-se disponíveis (17).

Crianças portadoras de DRC devem ser preferencialmente tratadas por DP.

Grau de recomendaçao B, Nível de evidência III.

A DP é, universalmente, o método mais utilizados para tratamento dialítico de pacientes pediátricos. Segundo o North American Pediatric Renal Transplant Cooperative Study (18), a DP foi o método inicial em 97% das crianças menores que 2 anos, em 70 a 80% entre os 2 e os 12 anos e em 59% das crianças acima de 12 anos. Entre 4150 crianças desse estudo, tratadas por DP, 69% fizeram uso da DP automática (APD), mostrando o relevante papel dessa modalidade no tratamento dialítico de crianças (19).

Os fatores associados à escolha prioritária da DP dizem respeito à dificuldade em se manter adequado acesso vascular, ao peso corporal menor que 20kg nas crianças de menor idade e à necessidade de se freqüentar regularmente a escola, em todas as idades (9).

Os pacientes devem ser submetidos à construçao de um acesso vascular permanente (fístula artério-venosa ou enxerto artério-venoso), quando apresentarem FG inferior a 25ml/min, ou dentro de um ano antes do início previsto da diálise. A fístula deve ser puncionada 3 a 4 meses, após a sua confecçao e nunca antes de 1 mês.

Grau de recomendaçao D, Nível de evidência V.

Esta diretriz corresponde à proposta do grupo de trabalho de acesso vascular do DOQI/NKF (20).

A utilizaçao de cateteres venosos centrais se associou a maior risco de óbito por causas infecciosas e por outras causas, em pacientes hemodialisados (21,22).

REFERENCIAS

1. Jungers P, Massy ZA, Nguyen-Khoa T, Choukroun G, Robino C, Fakhouri F, Touam M, Nguyen AT, Grunfeld JP. Longer duration of predialysis nephrological care is associated with improved long-term survival of dialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2001;16(12):2357-64.

2. Sesso R, Belasco AG. Late diagnosis of chronic renal failure and mortality on maintenance dialysis. Nephrol Dial Transplant. 1996;11(12):2417-20.

3. Eadington DW, Craig KJ, Winney RL: Late referral for RRT: Still a commom cause of avoidable morbidity. Nephrol Dial Transplant 1994;9:1686 (abstract)

4. Jungers P, Zingraff J, Albouze G, Chauveau P, Page B, Hannedouche T, Man NK. Late referral to maintenance dialysis: detrimental consequences. Nephrol Dial Transplant. 1993;8:1089-93

5. Maher JF: When should maintenance dialysis be initiated? Nephron 1976;16:83-88.

6. Pifer TB, McCullough KP, Port FK, Goodkin DA, Maroni BJ, Held PJ, Young EW. Mortality risk in hemodialysis patients and changes in nutritional indicators: DOPPS. Kidney Int. 2002;62:2238-45.

7. Pupim LB, Kent P, Caglar K, Shyr Y, Hakim RM, Ikizler TA. Improvement in nutritional parameters after initiation of chronic hemodialysis. Am J Kidney Dis. 2002;40:143-51.

8. Mehrotra R, Berman N, Alistwani A, Kopple JD. Improvement of nutritional status after initiation of maintenance hemodialysis. Am J Kidney Dis. 2002;40:133-42.

9. National Kidney Foundation Dialysis Outcome Quality Initiative. Clinical practice guideline for peritoneal dialysis adequacy. Am J Kidney Dis 1997;30(suppl 2)S67-S136.

10. Bonomini V, Feletti C, Scolari MP, Stefoni S.Benefits of early initiation of dialysis. Kidney Int Suppl. 1985;17:S57-9.

11. Korevaar JC, Jansen MA, Dekker FW, Jager KJ, Boeschoten EW, Krediet RT, Bossuyt PM; Netherlands Cooperative Study on the Adequacy of Dialysis Study Group. When to initiate dialysis: effect of proposed US guidelines on survival. Lancet. 2001;29;358(9287):1046-50.

12. Traynor JP, Simpson K, Geddes CC, Deighan CJ, Fox JG. Early initiation of dialysis fails to prolong survival in patients with end-stage renal failure. J Am Soc Nephrol. 2002;13:2125-32.

13. Held PJ, Port FK, Turenne MN, Gaylin DS, Hamburger RJ, Wolfe RA. Continuous ambulatory peritoneal dialysis and hemodialysis: comparison of patient mortality with adjustment for comorbid conditions. Kidney Int. 1994;45(4):1163-9.

14. Vonesh EF, Moran J. Mortality in end-stage renal disease: a reassessment of differences between patients treated with hemodialysis and peritoneal dialysis. Am Soc Nephrol. 1999;10(2):354-65.

15. Ganesh SK, Hulbert-Shearon T, Port FK, Eagle K, Stack AG. Mortality differences by dialysis modality among incident ESRD patients with and without coronary artery disease. J Am Soc Nephrol. 2003;14(2):415-24.

16. Stack AG, Molony DA, Rahman NS, Dosekun A, Murthy B. Impact of dialysis modality on survival of new ESRD patients with congestive heart failure in the United States. Kidney Int. 2003;64(3):1071-9.

17. www.amb.org.br/projeto_diretrizes/100_diretrizes/TRANSPL3.PDF

18. Leonard MB, Donaldson LA, Ho M, Geary DF. A prospective cohort study of incident maintenance dialysis in children: an NAPRTC study. Kidney Int. 2003;63(2):744-55.

19. Fine RN, Ho M; North American Pediatric Renal Transplant Cooperative Study. The role of APD in the management of pediatric patients: a report of the North American Pediatric Renal Transplant Cooperative Study. Semin Dial. 2002;15(6):427-9.

20. NKF-DOQI clinical practice guidelines for vascular access. National Kidney Foundation-Dialysis Outcomes Quality Initiative. Am J Kidney Dis. 1997;30(4 Suppl 3):S150-91.

21. Dhingra RK, Young EW, Hulbert-Shearon TE, Leavey SF, Port FK. Type of vascular access and mortality in U.S. hemodialysis patients. Kidney Int. 2001;60(4):1443-51.

22. Pastan S, Soucie JM, McClellan WM. Vascular access and increased risk of death among hemodialysis patients. Kidney Int. 2002;62(2):620-6.

Indicações, escolha do método e preparo do paciente para a Terapia renal substitutiva (TRS), na Doença Renal Crônica (DRC)

14.199

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