J. Bras. Nefrol. 2009;31(1 suppl. 1):59-65.

Doença renal crônica em pacientes idosos

Chronic kidney disease in the elderly patients

 

Resumo:

Com o aumento da expectativa de vida em todo o mundo, a populaçao de idosos vem crescendo gradativamente, tornando mais relevante o entendimento do processo de envelhecimento que é complexo e individual. Do ponto de vista renal, têm sido descritas na literatura alteraçoes anatômicas e fisiológicas com o avançar da idade, entretanto, tais mudanças nao sao universais, podendo estar associadas ou nao à presença de patologias como hipertensao arterial e diabetes ou injúrias subclínicas como uso crônico de anti-inflamatórios. É importante o conhecimento destas alteraçoes para diferenciar o patológico do fisiológico, propiciando assim programas de prevençao, detecçao precoce e tratamento efetivo da doença renal crônica nesses indivíduos. Descreveremos as principais alteraçoes renais fisiológicas e comentaremos algumas patologias que influenciam diretamente o comportamento da funçao renal nesta populaçao.

Descritores: Doença renal crônica; Idoso; Filtraçao glomerular; Funçao tubular; Envelhecimento renal; Progressao; Tratamento.

Abstract:

The life expectancy is increasing worldwide, and the number of elderly people is enlarging accordingly, what make the understanding of the ageing process necessary and individual. From the kidney point of view, changes in the renal anatomy and physiology have been described during the ageing process, however, it is recognized that they are not uniform, and they may be or not associated with diseases such as hypertension and diabetes mellitus, or subclinical conditions such as chronic intake of non steroidal anti-inflammatory drugs. It important the knowledge of these changes in order to differentiate what is physiologic from what is pathologic, and then to allow the implementation of prevention programs, early identification of chronic kidney disease and correction of complications and co-morbidities associated. These topics are covered in this review, and is our hope, that nephrologists become more engaged and with broaden knowledge in the treatment of elderly patients with CKD.

Descriptors: Chronic kidney disease; Elderly; Glomerular filtration rate; Tubular function; Kidney ageing; Progression; Treatment

 

INTRODUÇAO

Com o aumento da expectativa de vida em todo o mundo, a populaçao de idosos vem crescendo gradativamente. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a populaçao com 60 anos de idade ou mais já ultrapassa os 20 milhoes1.

Definir com exatidao o que venha a ser o envelhecimento é motivo ainda hoje de várias discussoes. Sabe-se que este processo pode estar relacionado a causas endógenas (radicais livres, hormônios esteroides, autoimunidade) ou exógenas (dieta, estilo de vida, drogas, meio ambiente, fatores psicológicos), nao havendo clareza sobre a importância relativa de cada um. Nas últimas décadas, estudos transversais e longitudinais têm demonstrado o efeito da idade na visao, audiçao, pressao arterial, funçao pulmonar, sistema imune, cardiovascular.

Alteraçoes renais anatômicas e fisiológicas vêm sendo relatadas a partir dos 40 anos de idade, entretanto, nao está claro se tais mudanças sao universais. A doença renal crônica (DRC), particularmente no seu estágio mais avançado (estágio 5 em tratamento dialítico), está afetando brasileiros em taxas preocupantes, com consequente sobrecarga social e financeira de enorme proporçao em nossa sociedade. No censo sobre diálise realizado em 2008 pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), foi estimado que as taxas de prevalência e incidência de DRC em tratamento dialítico foram de 468 por milhao e 141 por milhao respectivamente. O número estimado de pacientes que iniciaram tratamento dialítico em 2008 foi de 26.177. Entre os pacientes prevalentes, 36,3% tinham idade 60 anos. Infelizmente, medidas preventivas ainda nao estao sendo adotadas como estratégia de política de saúde pelas autoridades governamentais e isso é motivo de grande preocupaçao, particularmente entre os indivíduos idosos, por serem estes especialmente susceptíveis a desenvolver DRC, como evidenciado no censo da SBN.

Com relaçao à DRC pré-dialítica, infelizmente, até o momento, nao temos dados sobre a prevalência e a incidência da DRC nos pacientes idosos no Brasil. Os dados mais atuais sao americanos, originados da análise do estudo “National Health and Nutrition Examination Suveys (NHANES IV)”, no qual a prevalência de DRC baseou-se na ocorrência de proteinúria persistente e diminuiçao da filtraçao glomerular (FG) em indivíduos nao institucionalizados, no período de 1999-2004. Entre outros dados, este estudo evidenciou, comparativamente ao NHANES III (1988- 1994), um crescimento do número de pacientes com DRC, nos Estados Unidos da América, que foi mais acentuado entre os pacientes idosos, particularmente nos estágios 3 e 4.

Morfo – funcionais Renais no Processo de Envelhecimento Renal

Os pacientes idosos constituem a parcela da populaçao com crescimento mais rápido em todo o mundo, inclusive no Brasil, e apresentam alta prevalência de doença renal crônica (DRC)1. Estes sao particularmente susceptíveis à diminuiçao funcional renal devido ao declínio fisiológico da filtraçao glomerular (FG) relacionado à idade, mas também decorrente do comprometimento renal em doenças prevalentes nesta faixa etária, tais como diabetes mellitus e hipertensao arterial, além das doenças primárias renais como as glomerulonefrites e as nefrites túbulo-intersticiais.2

O processo de envelhecimento se associa com alteraçoes estruturais e fisiológicas renais que impactam o funcionamento dos rins. Em condiçoes normais, a vasodilataçao renal determina um aumento significativo no fluxo sanguíneo renal (FSR) e na FG, representando as reservas hemodinâmicas e funcionais. O aumento do FSR e da FG em resposta à vasodilataçao máxima induzida pela infusao de aminoácidos e de dopamine encontra-se acentuadamente reduzido nos indivíduos idosos saudáveis.3

De fato, com o avançar da idade, se observa a diminuiçao de cerca de 10% do FSR por década, nao relacionada ao débito cardíaco, e da diminuiçao da FG, do que decorre um aumento da fraçao de filtraçao. Associado a estas alteraçoes funcionais decorrentes do fluxo de sangue através dos rins, se observa um desequilíbrio entre influências vasodilatadoras e vasoconstritoras nos rins senescentes, com consequente comprometimento do processo de autorregulaçao renal.2,3

As alteraçoes estruturais vasculares ocorrem em toda a árvore vascular renal, da artéria renal ao capilar glomerular.4 As alteraçoes macrovasculares na artéria renal geralmente se associam com lesoes ateroscleróticas na aorta. O comprometimento dos vasos intrarrenais observado com o envelhecimento renal é semelhante àquele observado nos vasos sistêmicos e inclui arterioloesclerose e as hipertrofias da média e da íntima. A hiperplasia intimal, particularmente evidente nas arteríolas interlobulares, é um achado frequente nas biópsias renais, mesmo em indivíduos normais sem doença cardiovascular.

Outra alteraçao vascular dos rins senescentes é a glomeruloesclerose global. As alteraçoes hemodinâmicas e estruturais vasculares favorecem a ocorrência de atrofia tubular e fibrose intersticial. Como consequência, ocorre hipertrofia compensatória nos glomérulos justamedulares, que passam a trabalhar em regime de hiperfiltraçao glomerular e, com o tempo, desenvolvem glomeruloesclerose glomerular total hemodinamicamente mediada.4,5 Em suma, a reduçao da hemodinâmica renal e o comprometimento da reserva funcional dos rins, decorrentes das alteraçoes estruturais vasculares que ocorrem no processo de senescência renal, traduzir-se-ao clinicamente por alteraçoes funcionais ao longo de todo o néfron.

A DRC no paciente idoso nem sempre é de caráter progressivo

Apesar da alta prevalência da DRC em pacientes idosos, poucos estudos têm avaliado a velocidade de progressao da doença neste segmento populacional. Taxas de declínio da FG da ordem de 7- 8mL/min/ano citadas na literatura geralmente se baseiam em populaçoes selecionadas de pacientes, geralmente participantes de estudos clínicos.

Poucos estudos descreveram a velocidade de perda da funçao renal em indivíduos idosos nao institucionalizados, a despeito de relatos de prevalência de DRC em idosos da ordem de 25% a 55%. Avaliar a perda funcional renal neste segmento populacional é importante, tendo em vista, como mencionado anteriormente, a escassez de investimentos em estratégias de prevençao da doença no Brasil.

Em estudo recente, Hemmegarn e cols. avaliaram 10.184 indivíduos nao institucionalizados com idade 66 anos, num período de dois anos, e observaram que os pacientes com DRC diabéticos foram os que apresentaram maior declínio da FG estimada: 2,1 (IC 95% 1,8-2,5) e 2,7 (IC 95% 2,3-3,1) mL/min/1,73m2 por ano em mulheres e homens respectivamente. Nos pacientes sem diabetes, a velocidade de queda da FG estimada nas mulheres e nos homens foi de 0,8 (IC 95% 0,6-1,0) e 1,4 (IC 95% 1,2-1,6) mL/min/1,73m2 por ano.

O’Hare e cols. avaliaram 209.622 veteranos americanos com DRC estágios 3 a 5, acompanhados por tempo médio de 3,2 anos, e concluíram que a idade é um importante modificador entre os pacientes idosos com DRC e FG <60mL/min/1,73m2: entre os pacientes com idade entre 65 e 84 anos, somente aqueles com FG estimada <15mL/min/1,73m2 apresentaram mais chance de se beneficiar de terapia renal substitutiva do que evoluir para o óbito. Nos pacientes com mais de 85 anos, a chance de óbito sempre excedia à de tratamento dialítico.

A interpretaçao destes dois trabalhos poderia ser resumida como se segue: os pacientes idosos com FG estimada 30mL/min/1,73m2 deveriam receber, prioritariamente, medidas principalmente para a prevençao da doença cardiovascular, pois, geralmente, a perda da funçao renal, quando ocorre, é lenta e a chance de óbito, geralmente por causas cardiovasculares, é maior do que a necessidade de tratamento dialítico; os pacientes com FG estiada <30mL/min/1,73m2 deveriam receber, além das medidas preventivas para doença cardiovascular, tratamento para diminuir a velocidade de perda da funçao renal ou para estabilizar a FG, pois constituem subgrupo com maior chance de progressao para falência funcional renal.

Determinantes da Progressao da DRC

Estudos recentes têm sido desenvolvidos com o objetivo de identificar os fatores que se associam com a progressao da DRC, tais como idade, diabetes mellitus, hipertensao arterial e albuminúria. Embora estes fatores de risco individuais possam se associar com a perda funcional renal, pouco ainda é conhecido sobre o impacto da combinaçao destes fatores de risco e a susceptibilidade individual do paciente em progredir para falência funcional renal. Aidentificaçao dos pacientes idosos com maior risco para perda mais rápida da funçao renal é importante, pois possibilitaria a implementaçao das medidas nefroprotetoras e, assim, beneficiaria uma importante parcela da populaçao portadora de DRC.

Hemmmelgarn e cols. desenvolveram um índice para predizer a progressao rápida de perda da funçao renal em pacientes idosos e com DRC. Apartir de um banco de dados com informaçoes clínicas e laboratoriais, os autores identificaram 10.184 indivíduos com mais de 66 anos de idade que compuseram a populaçao estudada.

Doença renal progressiva foi definida por diminuiçao da FG >25% num período de cerca de dois anos. Os autores observaram que ter idade >75 anos, apresentar doença cardíaca, diabetes mellitus, gota e fazer uso de antieméticos constituíram os preditores que mais frequentemente se associaram com a perda da funçao renal. Ser diabético, cardiopata e ter idade avançada têm sido identificado como fatores de risco para progressao da DRC. Gota constitui um marcador para hiperuricemia, a qual tem sido identificada como fator de risco para progressao da DRC. O uso de antiemético possivelmente identificou, como sugerido pelos autores, os paciente com uremia avançada (pré-renal) exacerbada pela perda de água devido à diminuiçao da água corporal total, manejo inadequado do sódio pelo rim, diminuiçao na liberaçao de renina e inadequaçao nos mecanismos de sede. Defendem a importância clínica dos seus achados, pois eles permitem identificar os pacientes com maior risco de apresentar queda progressiva da FG, ao quais necessitariam de monitorizaçao e tratamento mais intensivos.

Avaliaçao funcional renal no paciente idoso

Filtraçao glomerular

O fluxo plasmático renal pode diminuir gradativamente de 600mL/min no adulto para até 300mL/min na 8ª década. Tem sido demonstrado, em estudos longitudinais e retrospectivos, que a FG, estimada pela depuraçao de EDTA, inulina ou creatinina declina com a idade de forma nao uniforme7,8. No Baltimore Longitudinal Study on Aging, 446 indivíduos, entre 22 e 97 anos, foram seguidos por 24 anos com o objetivo de se determinar o coeficiente de regressao da depuraçao de creatinina com o avançar da idade. Este foi de -1,10mL/min/ano em indivíduos com alguma doença renal, -0,92mL/min/ano para os portadores de hipertensao e -0,75mL/min/ano para os considerados normais. Entre todos os indivíduos, 65% apresentavam curvas negativas e 35% curvas positivas. Isto significa que 1/3 desses indivíduos nao apresentou declínio da funçao renal por um período de 24 anos9.

Embora a creatinina sérica seja o marcador de funçao renal mais utilizado, no idoso, ela é objeto de várias influências. A diminuiçao da massa e da atividade muscular e o menor consumo de proteínas fazem com que o idoso tenha uma creatinina sérica “aparentemente normal”, associada a graus variados de funçao renal. Creatinina de 1,0mg/dL pode representar uma depuraçao de 120mL/min no adulto e 60mL/min em um idoso de 80 anos10.

Aconfiabilidade da coleta de urina de 24 horas em idosos é um dos problemas para a quantificaçao clínica da funçao renal. Uma alternativa é a utilizaçao de fórmulas desenvolvidas a partir da creatinina sérica, tanto a de Cockcroft-Gault como a do estudo Modification of Diet in Renal Disease (MDRD)8,11,12.

Cockcroft-Gault (mL/min) = 140 – idade (anos) x peso (kg) / 72xcreatinina sérica (se mulher, multiplicar o resultado por 0,85).

MDRD (mL/min/1,73m2) = 186 x creatinina sérica 1.154 x idade (anos) 0.203 (se mulher, multiplicar a equaçao por 0,742)

Funçao tubular

Apesar de escassos, alguns estudos documentaram alteraçoes tanto anatômicas como funcionais da funçao tubular no idoso. É relatado diminuiçao progressiva da taxa de reabsorçao tubular renal de glicose, diminuiçao da produçao de energia pelas mitocôndrias, baixa atividade enzimática da ATPase, queda no consumo de oxigênio e na capacidade de transporte através dos túbulos. Além disso, um aumento na excreçao urinária de enzimas, como gama glutamil transpeptidase, enzima conversora de angiotensina e N, acetil beta, D, glucosaminidase sem relaçao com proteinúria3,13.

A importância da avaliaçao do estado de funcionamento do túbulo proximal, decorre de sua utilidade em algumas situaçoes clínicas como uso de drogas (analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos, etc.) e também na detecçao de dano tubular associado à glomerulopatias. Avaliamos a integridade do túbulo proximal através da determinaçao urinária da proteína carreadora do retinol (RBP). Curiosamente, os valores de RBP urinária estavam dentro da faixa de normalidade em 79 dos 81 idosos estudados, isto é, até 0,400mg/dL. Acreditamos, que uma dosagem de RBP urinária alterada deverá alertar o médico quanto à presença de injúria tubular14.

Tratamento da DRC em pacientes idosos

O sucesso do tratamento da doença renal crônica requer o diagnóstico precoce da doença, seu estagiamento, identificaçao e correçao das suas complicaçoes e morbidades e acompanhamento interdisciplinar. Devido à complexidade da DRC, frequentemente os pacientes idosos necessitam, além do nefrologista, de suporte psicológico, de assistente social, de nutricionista, de enfermeiro, de fisioterapeuta e/ou profissional de educaçao física e outros. Recentemente, Hemmelgarn e cols. observaram que, comparativamente aos pacientes acompanhados somente por nefrologistas, os idosos com DRC acompanhados por equipe interdisciplinar apresentaram menor risco de mortalidade por todas as causas e uma tendência de reduçao da hospitalizaçao por todas as causas ou doença cardiovascular.

A tabela 1 sumariza os principais aspectos do manuseio do paciente idoso com DRC na fase prédialítica. A hipertensao arterial, além de ser uma das principais causas da doença, é um fator de risco de progressao. Os níveis pressóricos recomendados sao pressao arterial sistólica <130mmHg e diastólica <80mmHg. As medicaçoes preferíveis para o controle da pressao nestes pacientes sao aquelas que bloqueiam o eixo renina-angiotensina-aldosterona. Estas medicaçoes têm efeito salutar adicional na reduçao da proteinúria.

Contudo, é importante salientar que o uso destas medicaçoes merece cuidados especiais nos pacientes idosos. Uma complicaçao importante é a ocorrência de queda súbita da FG e hiperpotassemia quando do uso dos inibidores da enzima de conversao da angiotensina (IECA) ou bloqueadores do receptor 1 da angiotensina II (BRA) em pacientes que apresentam doença aterosclerótica das artérias renais.

Os diuréticos apresentam açao sinérgica com os IECAs e BRAs, contudo o seu uso também merece cautela pela diminuiçao da capacidade renal de reabsorver sódio no paciente idoso, o que pode levar à depleçao de volume e piora súbita da FG. Os bloqueadores de canais de cálcio nao di-hidropiridínicos, além da açao antihipertensiva, sao indicados quando a proteinúria permanence em níveis ainda inaceitáveis a despeito do tratamento com IECAs ou BRAs.

A correçao da anemia se associa com melhora dos sintomas e da qualidade devida. A principal causa de anemia associada à DRC no paciente idoso é a deficiência da produçao renal de eritropoetina. Assim, o tratamento da anemia consiste na administraçao de agente estimulador da eritropoiese (Epoetina , Eritroetina , Darboepoetina ou CERA) para manter os níveis de hemoglobina entre 11,0g/dLe 12,0g/dL. Contudo é importante lembrar que a resposta terapêutica aos agentes estimuladores da eritropoies e está condicionada à concomitância de reserva de ferro adequada, ou seja, índice de saturaçao da transferrina >20% e ferritina >100g/dL. As deficiências de ácido fólico e vitamina B12 sao menos frequentes, mas, quando presentes, deveriam ser corrigidas.

A avaliaçao das alteraçoes do metabolismo mineral e ósseo deveria ser realizada com dosagem sérica do cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, 25-hidroxi-vitamina D (calcidiol), 1-25-dihidroxi-vitamina D (calcitriol) e PTH intacto. A hipocalcemia decorre da deficiência de vitamina D, principalmente da forma ativada ou calcitriol. A hiperfosfatemia deveria ser abordada inicialmente com dieta com baixo teor de albumina, seguida de quelantes de fósfofo (carbonato ou citrato de cálcio, sevelamer).

Nos casos de nível elevado de PTH e nao suprimido aos níveis recomendados com as medidas mencionadas, indica-se a administraçao de calcitriol. Como a perda óssea é mais rápida na DRC, comparativamente a quase todas as outras doenças, recomenda-se a monitorizaçao da densidade óssea regular. A administraçao de bifosfanatos (alendronato) nos estágios avançados da DRC nao é recomendada e deveria ser descontinuada.

A dislipidemia é frequentemente encontrada nos pacientes com DRC, especialmente naqueles com proteinúria maciça. Recomenda-se a correçao dos níveis elevados de triglicérides e LDL-colesterol com administraçao de fibrato (ou ácido nicotínico) e estatinas respectivamente. É importante ressaltar que a administraçao concomitante de estatina com fibrato pode determinar lesao hepática e rabdomiólise e, assim, deveria ser evitada.

Nos pacientes com hiperglicemia, preconizase manter os níveis de HbA1c <7%, posto que o controle adequado da glicemia se associa com melhor curso clínico da DRC. É importante lembrar que o rim é o principal órgao metabolizador da insulina (endógena ou exógena) e que, nos estágios mais avançados da DRC, pode ser necessário adequar-se a dose da insulina exógena administrada ou do hipoglicemiante em uso para evitar a ocorrência de hipoglicemia.

Finalmente, é importante alertar ao paciente e/ou ao seu cuidador sobre alguns aspectos importantes que podem apresentar impacto na saúde do paciente. Por exemplo, chamar a atençao sobre o perigo do uso prolongado de medicaçoes nefrotóxicas, particularmente os anti-inflamatórios nao hormonais, posto que estas drogas podem acelerar a queda da FG e precipitar a necessidade de TRS. Outros medicamentos que podem provocar lesao renal aguda sao: alopurinol, diuréticos, rifampicina, inibidores de bomba de próton, alguns antibióticos (p. ex., aminoglicosídeos) e interferon alfa.

Todos os pacientes idosos com DRC, a princípio, deveriam ser imunizados. A vacina antipneumocóccica deveria ser administrada a todos os pacientes com mais de 65 anos; existe algum debate se os pacientes nao diabéticos no estágio 3 da DRC deveriam ser vacinados. Independentemente do estágio da DRC, todo paciente idoso deveria receber uma dose anual da vacina anti-influenza, bem como ser vacinado contra o vírus da hepatite B.

Também é importante ressaltar a necessidade da avaliaçao cardiovascular, no mínimo anual, objetivando otimizar o uso dos medicamentos cardioprotetores (betabloqueadores, aspirina) e reduzir a taxa de mortalidade por insuficiência cardíaca e doença coronariana.

Comentários finais

O indivíduo idoso é particularmente susceptível a desenvolver a DRC. Aotimizaçao do manejo da DRC no paciente idoso baseia-se no diagnóstico precoce da doença, no encaminhamento imediato dos casos com perda acelerada da FG para o acompanhamento conjunto com o nefrologista, no diagnóstico e tratamento das principais complicaçoes (anemia, acidose metabólica, distúrbios do metabolismo do cálcio e do fósforo, desnutriçao) e comorbidades (principalmente as cardiovasculares) e preparo do paciente para TRS.

É importante estimular a presença de algum membro da família ou do cuidador do paciente quando das consultas, posto que a necessidade do uso de vários medicamentos e a eventual ocorrência de deficit cognitivo podem determinar iatrogênia com consequências desastrosas para o paciente.

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1. Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Nefrologia – NIEPEN da Universidade Federal de Nefrologia e Fundaçao IMEPEN2.
2. Disciplina de Nefrologia da Universidade Federal de Sao Paulo (UNIFESP-EPM).

Doença renal crônica em pacientes idosos

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