J. Bras. Nefrol. 2000;22(3 suppl. 2):3-9.

Quatro décadas de história da nefrologia brasileira

Marli C Gregório

2 de agosto de 1960. Nessa data, vários nefrologistas de Sao Paulo e de outros Estados brasileiros fundaram a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), numa época em que os especialistas nao chegavam a 120 em todo o país. Profissionais importantes como Tito Ribeiro de Almeida, Emil Sabbaga, Luiz Décourt, Oswaldo Luiz Ramos, Israel Nussenzveig, Carlos Vilela de Faria, Douglas Feneira de Andrade, dentre outros, aproveitaram a visita do professor francês Jean Hamburger para criar uma entidade que, dois anos depois, já promovia o seu primeiro congresso de abrangência nacional.

Fundada com o objetivo de reunir os especialistas para a troca de experiências e, principalmente, contribuir para a formaçao de novos profissionais, a SBN vem, ao longo de seus 40 anos de existência, promovendo nao apenas atividades científicas, mas também difundindo a importância da especialidade e de seus profissionais.

No deconer desse período, foi presidida por 18 renomados especialistas que, a cada mandato, souberam engrandecer a entidade com gestoes voltadas para o aperfeiçoamento da especialidade. Foram seus presidentes:

  • 1960 a 1962: José de Barros Magaldi (falecido)
  • 1962 a 1964: Jayme Landman
  • 1964 a 1966: Caio Benjamin Dias
  • 1966 a 1968: Heonir Rocha
  • 1968 a 1970: Oswaldo Luiz Ramos (falecido)
  • 1970 a 1972: Joao Absalao da Silva Filho
  • 1972 a 1974: Antônio Azambuja (falecido)
  • 1974 a 1976: Aluizio da Costa e Silva
  • 1976 a 1978: Adyr Soares Molinari
  • 1978 a 1980: José Augusto Barbosa de Aguiar (falecido)
  • 1980 a 1982: César A Ribeiro da Costa
  • 1982 a 1984: Emil Sabbaga
  • 1984 a 1986: Eduardo Rubens F. Távora
  • 1986 a 1988: Altair Jacob Mocelin
  • 1988 a 1990: Nestor Schor
  • 1990 a 1992: José Roberto Coelho da Rocha
  • 1992 a 1994: Domingos Otávio dAvila
  • 1994 a 1996: Miguel Carlos Riella
  • Desde 1996 a entidade é presidida por Joao Cezar Mendes Moreira, reeleito em 1998.

 


Reproduçao da Ata de Fundaçao da Sociedade Brasileira de Nefrologia

Nefrologia, recente no mundo e no Brasil

Signatário da ata de criaçao da SBN, Douglas Ferreira de Andrade, de Belo Horizonte, lembra que naquela época a nefrologia dava seus primeiros passos. Como residente do Hospital das Clínicas, ele fazia parte do grupo de José de Barros Magaldi que, entendendo a importância de criar uma entidade, reuniu cerca de 50 profissionais de todo o Brasil. “Por tratar-se de uma especialidade nova, resolvemos criar uma sociedade que desenvolvesse e divulgasse os trabalhos científicos, mas que também estimulasse outros profissionais a se dedicar à área. De lá para cá é surpreendente a evoluçao da especialidade e o número de profissionais que hoje estao atuando. Eu cheguei a duvidar que isso um dia poderia acontecer”, assinala Andrade.

Israel Nussenzveig, de Sao Paulo, outro fundador da SBN, conta que em 1960 a Nefrologia estava começando a se desenvolver no mundo inteiro e principalmente no Brasil. “Como a especialidade ainda estava se estruturando, alguns profissionais sentiram a necessidade de uma entidade que coordenasse esse desenvolvimento e que patrocinasse congressos e reunioes periódicas”. As atividades foram desenvolvidas tao rapidamente que menos de dois anos depois já era realizado o primeiro congresso nacional”. Acrescenta: “A nefrologia evoluiu muito, principalmente quanto à diálise e aos transplantes”.


Gabriel Richet, Emil Sabbaga, José de Barros Magaldi e Israel Nussenzveig

Também um dos fundadores da Sociedade, Luiz Decóurt, de Sao Paulo, lembra que a idéia da sociedade surgiu porque várias especialidades estavam se desenvolvendo – a nefrologia era uma delas – e era importante que houvesse uma entidade que “reunisse os profissionais da área, promovesse cursos e proporcionasse ao conjunto de especialistas um trabalho harmonioso”. Ele acentua que a nefrologia progrediu de forma extraordinária com os primeiros transplantes e com a maturidade intelectual dos especialistas que justificava a criaçao de uma sociedade.

Na mesma época em que surgia a Sociedade Internacional de Nefrologia, Oswaldo Luiz Ramos, de Sao Paulo, juntou-se a vários outros especialistas para fundar a SBN. “A criaçao da entidade foi muito importante e, com o progresso dos tratamentos dialíticos e os transplantes, nao só a especialidade, mas a própria entidade, passaram a ocupar um espaço de grande importância dentro do contexto da medicina brasileira”, lembrava ele. Para Ramos, a SBN contribui para essa evoluçao, porque reúne profissionais com variados perfis, possibilitando o desenvolvimento de especialidades mais específicas.

Para outros dois participantes da fundaçao da SBN, Jenner Cruz e Helga Maria M. Cruz, de Sao Paulo, três ilustres professores franceses -Jean Hamburger, Hyacinthe J. de Montera e Henry Ducrot – inspiraram os professores brasileiros Israel Nussenzveig, José de Barros Magaldi e Luiz Decóurt a organizarem a criaçao da Sociedade que foi instalada no anfiteatro da 2* Clínica Médica do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP. Juntamente com outros 113 especialistas de todo o Brasil, fundaram uma entidade com a finalidade de congregar e de defender por todos os meios o desenvolvimento da nefrologia. “Havia alguns centros, a maioria universitários, que já se dedicavam ao ensino e ao estudo das doenças renais e hipertensivas, como o de José de Barros Magaldi, na 2* Clínica Médica”, assinalam Jenner e Helga.

Como integrante do grupo de Emil Sabbaga, o paulista Roberto Mario Clausi, radicado no Paraná, assinala que quando alguns nefrologistas de Sao Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre decidiram criar a SBN, “eram os primeiros brotos de uma floresta que hoje se tornou a nefrologia”. Ele acrescenta que isso foi possível porque já existia uma “massa crítica suficiente para uma explosao atômica”. Para Clausi, a entidade era essencial para que se trabalhasse dentro de parâmetros administrativos, econômicos e científicos.

Outro médico que registrou sua presença na ata de criaçao da SBN, foi Carlos Villela de Faria, de Sao Paulo. Ele relembra que a idéia nao era nova e a visita de outro renomado nefrologista francês Gabriel Richet apressou o processo. “A Sociedade surgiu da uniao de esforços, porque reuniu profissionais de diferentes áreas da pesquisa nefrológica”, acentua.

A saga da nefrologia brasileira

Nos últimos 40 anos de história da nefrologia brasileira, houve um marcante desenvolvimento de competência didática, profissional e científica, além de qualidade e quantidade. A afirmaçao é de Aluizio da Costa e Silva, que presidiu a SBN entre 1974 e 1976. Como ele, outros nove ex-presidentes lembram das suas épocas à frente de uma entidade que, pela sua credibilidade científica e necessidade de defesa dos interesses dos nefrologistas, segundo José Roberto Coelho da Rocha, tem de estar presente nos processos político e econômico que circundam a diálise.

Relembrando sua época como o quinto presidente da SBN, Oswaldo Ramos dizia que em 1970, quando o seu serviço já era reconhecido como nefrológico, foi “honrado com o cargo de presidente da entidade e encarregado da complexa missao de organizar o V Congresso Brasileiro”. Sobre seu mandato, o professor destacou a evoluçao da disciplina de nefrologia da Escola Paulista de Medicina (atual Unifesp/EPM), “na esperança de que esses detalhes possam servir como subsídios para dar cor local à história geral apresentada. Pareceu-nos que teria cabimento essa tentativa de registrar esses fatos para que constassem da saga nefrológica brasileira”.

Como presidente da SBN, Aluizio da Costa e Silva ressalta a evoluçao do conhecimento nefrológico ocorrido nas últimas décadas. Sobre a nefrologia no Brasil, ele observa que nao conhece país estrangeiro que, em apenas 30 anos, tenha obtido tal desenvolvimento de uma especialidade. “Em 1963 nao acreditávamos que pudéssemos contar, no presente, com uma capacitaçao médica e tecnológica do nível que dispomos hoje. Nosso parque de produçao fornece a maior parte dos equipamentos e insumos que necessitamos.” Segundo Costa e Silva, essa incorporaçao e difusao de modernas tecnologias nao teria sido tao rápida e eficiente nao fosse o esforço advindo de pós-graduaçao no país e no exterior, formando a necessária massa crítica de profissionais.

De seu período à frente da entidade, César A Ribeiro da Costa destaca três momentos marcantes da nefrologia brasileira. O primeiro, a criaçao da SBN, numa época em que havia uma “atmosfera pioneira de entusiasmo e uma ânsia de afirmaçao e progresso no estudo das doenças renais”. O segundo marco foi a implantaçao do Boletim Informativo da SBN, cujo primeiro número surgiu em março de 1969, com o objetivo de incentivar o intercâmbio entre os nefrologistas brasileiros; o terceiro fato, em 1979, foi a publicaçao do Jornal Brasileiro de Nefrologia (JBN), que, segundo César Ribeiro, foi uma “resposta ao apelo feito por Azambuja, dez anos antes”. Ele acentua que se sente privilegiado por ter sido testemunha de parte da história da SBN e orgulhoso por ter acompanhado seu amadurecimento e expansao.

Interaçao entre universidade e sociedade

Como presidente da SBN, Emil Sabbaga relembra a história do começo da nefrologia no Hospital das Clínicas da USP. Conta que, em 1953, na 3* Clínica Médica, cujo regente era Otávio Rodovalho, ele era um dos residentes. O outro era Joao Valente Filho. “Propusemos ao Rodovalho a criaçao de áreas específicas de especialidades e ele prontamente aquiesceu.” Sabbaga conta que naquela ocasiao trabalhavam na enfermaria de Ariovaldo Carvalho, que passou a chefiar o grupo de pulmao: Reinaldo Chiaverini ficou encarregado do grupo de cardiologia e José de Barros Magaldi – com quem ele já trabalhava desde 1949, ainda como estudante – passou a chefiar o grupo de nefrologia.

Já Eduardo Rubens F. Távora salienta os aspectos científicos. “A evoluçao técnico-científica da nefrologia brasileira deu-se num ritmo semelhante ao da internacional, desenvolvida obviamente num patamar mais baixo, compatível com a evoluçao da nossa economia, nao aparente em determinados períodos, mas segura e progressivamente por todo o tempo.” “Um dos aspectos mais curiosos dessa trajetória científica”, prossegue ele, “foi a relaçao da nefrologia com o transplante renal no país, ou seja, de uma atividade tipicamente clínica com uma outra basicamente cirúrgica, embora multidisciplinar”.


Rim Artificial, desenvolvido em 1952 na Universidade de Uberaba (MG)(foto cedida por Carlos Vilela de Faria ao livro “História da Nefrologia Brasileira”).

“Contava-se em uma mao a nefrologia brasileira e outros tantos clínicos gerais que dela gostavam.” A afirmaçao é de Altair Jacob Mocelin, que presidiu a SBN entre 1986 e 1988. O professor observa que as máquinas dominavam a sala, por seu tamanho e barulho, e os pacientes, com sorte por terem sido selecionados, enfrentavam 12 horas de circulaçao extracorpórea, três vezes por semana. Terminada a tortura dos urêmicos, conta ele, tinha início a jornada dos técnicos e residentes: desmontar as placas paralelas, escová-las, esticar novas membranas. “A partir dos anos 70 novos dialisadores e descartáveis reinam sobre a uremia e os urêmicos. Tempos melhores”, finaliza Mocelin.

Dos dois anos que esteve à frente da SBN, Nestor Schor conta que iniciou suas atividades pela secretaria da regional de Sao Paulo, em meados dos anos 80. Ele assinala que a entidade soube absorver o impacto transformador durante a década de 80, de uma Sociedade “primariamente científica, pioneira ao estimular a criaçao da nossa especialidade, para incorporar um componente sindical, visando desenvolver atividades de defesa profissional”. Nesse período ocorreu a reformulaçao dos estatutos da Sociedade, após quase 20 anos de sua aprovaçao, cujas modificaçoes, segundo Schor, permitiram que a entidade se adequasse à nova realidade.


Edward Qhelhorst e Miguel C. Riella durante o II Encontro de Diálise e Transplante

Convicto de que a SBN tem de estar presente nos processos político e econômico que circundam a diálise, por sua credibilidade científica já conquistada e pela necessidade de defesa dos interesses dos nefrologistas, José Roberto Coelho da Rocha acentua que foi com esse “espírito” que em sua gestao procurou se afinar com outras entidades representativas, na “esperança de unir forças contra o inimigo comum, o governo. Foram muitos os fóruns e encontros com pacientes, indústria e empresários do setor, procurando sempre manter o espírito de liderança e de independência, aparando arestas e estudando soluçoes conjuntamente. Acredito que tal atitude nos rendeu maior respeitabilidade”.

Para Domingos Otávio d’Avila, o fato marcante de sua gestao foi o congresso realizado em 1994 na cidade de Fortaleza. Em sua opiniao, presidir a SBN foi uma “experiência muito interessante, porém às vezes frustrante”. Por outro lado, acentua d’Avila, o contato com os colegas das regionais, dos diversos departamentos da Sociedade e com os membros da diretoria nacional foi um aspecto bastante gratificante. “De modo geral, guardo uma lembrança muito boa da minha gestao, pois se nao fosse estimulante, a gente nao se sentiria incentivado a se candidatar a presidir a entidade”

Para Miguel Riella, ter sido presidente da sociedade científica de sua especialidade “foi uma honra. Me deu a oportunidade de desenvolver uma série de programas que eu achava importantes”. Em sua gestao foram desenvolvidos os programas de Educaçao Médica Continuada, em parceria com as indústrias do setor. “Nós propusemos uma parceria entre as indústrias e a Sociedade, em que elas entraram com os recursos para apoiar os projetos e nós desenvolvemos os programas de treinamento de jovens médicos, durante 30 dias, em qualquer serviço do país”. Segundo Riella, outro programa que foi implantado foi o de bolsa de estudo no exterior que, no seu entender, foram projetos de sucesso para a Sociedade.

Dezenove congressos marcam progresso da especialidade

Em 1962 foi promovido, no Rio de Janeiro, o I Congresso Brasileiro de Nefrologia, sob a presidência de Jayme Landmann, evento que, ao longo dos 40 anos de existência da SBN, vem sendo promovido de dois em dois anos, e que foi se firmando como um ocasiao fundamental para a divulgaçao de pesquisas nefrológicas e para atualizaçao de seus especialistas. Até hoje já foram realizados 19 congressos que reúnem um número cada vez maior de participantes, chegando a ter nos últimos encontros 1.500 congressistas.

A lembrança de alguns especialistas que presidiram esses encontros continua viva. Presidente do II Congresso, realizado em 1964, em Belo Horizonte, Caio Benjamin Dias assinala que o evento foi possível graças ao empenho de grupos de nefrologistas atuantes naquela época, apesar de nao ter recursos para convidar professores estrangeiros. “Os primeiros congressos foram muito marcantes e isso contribuiu para a consolidaçao da nefrologia”. Caio Dias acentua que desde aquela época imaginava que a especialidade teria a evoluçao que teve, principalmente com o transplante e a diálise.


Sessao de abertura do II Congresso Brasileiro de Nefrologia. Aluisio Pimenta, Jayme Landman, José de Magalhaes Pinto, Caio Benjamin Dias, Lucas Monteiro Machado e Oramar Moreira (da esq. p/ a dir.)

Realizado em 1966, em Salvador, o III Congresso foi presidido por Heonir Rocha. Segundo ele, naquela época os encontros eram uma maneira muito agradável de aprendizado, porque todas as pessoas se conheciam, dando uma idéia de família. “Imperava um grande entusiasmo entre os participantes que levaram grandes contribuiçoes para aquele evento”, observa ele. Heonir lembra com saudade de toda a preparaçao do evento, desde a distribuiçao das equipes até a preocupaçao com a falta de ar-condicionado que nao havia em todas as salas. “A preparaçao do congresso era artesanal, feita com amor e interesse.”

A cidade de Sao Paulo foi a escolhida para sediar, em 1970, o V Congresso que foi realizado na sede da Faculdade de Medicina da USP e presidido por Oswaldo Ramos. Ele lembrava que, como todo congresso, no início a organizaçao parece difícil e a sua concretizaçao, quase inviável. Mas sempre acaba sendo realizado. “A falta de dinheiro era a maior dificuldade. Conseguimos uma doaçao ridícula da prefeitura e do governo estadual, mas foi essa pequena quantia que acabou representando o lucro do evento.”


Oswaldo Ramos, Aluizio Costa e Silva, Joao Absalao da Silva Filho e José de Barros Magaldi durante o VI Congresso Brasileiro de Nefrologia (Recife, PE 1972)

Experiências árduas, porém compensadoras

Os saloes do Itamaraty, em Brasília, sediaram o VII Congresso, em 1974. Presidido por Aluizio da Costa e Silva, foi um evento marcante para os 4.517 participantes, pois foram convidados quatro grandes especialistas estrangeiros da área. Na opiniao de Costa e Silva, foi um congresso com bom nível científico, contando com 147 trabalhos desenvolvidos em universidades e instituiçoes de várias partes do Brasil. “Como acontece na maioria dos congressos, nao é fácil organizá-los. Nesse nao foi diferente. Apesar de os recursos estarem aprovados um ano antes, no final de 1973, em pleno governo Médici, fui apanhado de surpresa quando soube que deveria fazer novamente a solicitaçao das verbas. Mas houve tempo e no final o congresso superou as expectativas”, enfatiza o professor.

A falta de experiência administrativa acabou resultando num trabalho maior que o necessário para a organizaçao do X Congresso. Realizado em 1980, em Fortaleza, sob a presidência de José Edísio da Silva Tavares que soube, com maestria, tratar seus pacientes ao longo de uma carreira clínica de mais de 30 anos, mas que na hora de administrar os recursos para o evento sentiu que era necessário um profissional da área. Segundo ele, um marco do congresso foi ter denominado o auditório e as salas do Centro de Convençoes de Fortaleza com os nomes de nefrologistas notáveis, nacionais e estrangeiros, que contribuíram para a formaçao da especialidade.

Dois especialistas europeus e um americano marcaram o XI Congresso, realizado em Guarapari em 1982, tendo como presidente Manoel Pio de Abreu. Ele conta que nao teve dificuldade em trazer os convidados estrangeiros, mas o maior problema foi obter recursos para a organizaçao do evento, uma vez que a contribuiçao do CNPq foi “ínfima. Foi uma experiência árdua, pois além de estarmos num estado pobre, acabamos perdendo o patrocínio dos laboratórios. Depois de toda a infra-estrutura organizada, tivemos de conseguir 200 cadeiras emprestadas de uma churrascaria. Foi uma dor de cabeça, porém compensada pelo nível e participaçao dos congressistas”.

Ao iminente José de Barros Magaldi foi dedicado o XIII Congresso, que teve como sede o Minas Centro, de Belo Horizonte, em 1986. Seu presidente, Abrahao Salomao Filho, em sua mensagem de boas-vindas assinalou que aquele era o “mais importante” dos congressos de Nefrologia já realizados, por anteceder a eleiçao da Assembléia Constituinte. “Gostaríamos muito de que se concretizassem as mudanças na área da saúde e, principalmente, de que se viabilizassem as modificaçoes na lei de remoçao de órgaos”, afirmava ele naquela ocasiao.

A nefrologia no século XXI

O Simpósio Internacional de Informática em Nefrologia foi o grande marco do XVI Congresso, que aconteceu no Rio de Janeiro, em 1992. Graças ao empenho do presidente do evento, José Roberto Coelho da Rocha, acabou resultando no I Encontro de Nefrologia de Língua Portuguesa, que foi realizado no ano seguinte, no Porto, em Portugal. Ele lembra que a organizaçao de um congresso é muito cansativa e feita a “duras penas”, numa época de contençao de despesas. “Tínhamos cinco mil dólares para organizar um evento que custou 150 mil. Foi bastante difícil obtermos os recursos, mas conseguimos”.


Primeira sessao de hemodiálise em Campinas, em 1970(foto cedida por Antonio Carlos L. C. Castro ao livro “História da Nefrologia Brasileira”)

Treze renomados especialistas estrangeiros marcaram o XVII Congresso. Realizado em Fortaleza, em 1994, o encontro também foi prestigiado por 130 convidados nacionais, que demonstraram, em todas as ocasioes, a maturidade da nefrologia brasileira. A opiniao é de Henry Campos, que presidiu o evento que, pela primeira vez, teve os abstracts publicados no Kidney International (vol.46, 1994), além de o próprio Jornal Brasileiro de Nefrologia (JBN) ter dedicado um volume aos trabalhos apresentados. No entender do professor, o maior mérito do Congresso foi o elevado nível da programaçao científica nas conferências e nos painéis de discussao, bem como nos temas livres apresentados.

“A nefrologia no século XXI”. Com esse tema, cerca de 1.500 profissionais brasileiros e vários convidados internacionais participaram, em Sao Paulo, do XVIII Congresso, realizado em 1996 e presidido por Décio Mion Jr. Em seu discurso de abertura, Mion assinalou que começava o “evento maior da nefrologia brasileira, homenageando alguns dos maiores nomes da nossa especialidade que deram uma vida à nefrologia”. Ele acentuou acreditar que “promovendo a ciência estaremos melhorando a formaçao do nefrologista brasileiro que poderá fazer um bom trabalho no cuidado de seus pacientes e poderá lutar, de cabeça erguida, por uma remuneraçao justa”.

Selecionar os temas científicos e escolher os profissionais que pudessem agradar o maior número de congressistas. Essa foi a maior preocupaçao da comissao organizadora do XIX Congresso, que aconteceu em Porto Alegre, em 1998, sob a presidência de Domingos Otávio d’Avila. Ele conta que organizar um evento com a “magnitude do Congresso Brasileiro de Nefrologia nao é tarefa simples”, acrescentando que esse trabalho suplanta qualquer esforço individual. Cerca de 500 temas livres possibilitaram que os 1.500 congressistas conhecessem as pesquisas e os procedimentos que estao sendo desenvolvidos nos diversos centros nefrológicos do país.

A história registrada em livro

Os fatos e os personagens mais marcantes da história da nefrologia estao resgatados e registrados no livro “História da Nefrologia Brasileira”, lançado em 1996 e coordenado por Décio Mion Jr. e Joao Egídio Romao Jr. Em suas 195 páginas estao depoimentos, entrevistas, relatos e artigos de conhecidos nefrologistas brasileiros, como Heonir Rocha, que faz uma análise profunda da nefrologia no Brasil. A contribuiçao de Oswaldo Ramos está num artigo que conta como evoluiu a disciplina de nefrologia na Escola Paulista de Medicina. Luiz Estevam Ianhez escreve que o primeiro transplante renal no país foi realizado no dia 21 de janeiro de 1965, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. “Os primórdios da Nefrologia em Sao Paulo e da Sociedade Brasileira de Nefrologia” estao no artigo escrito por Israel Nussenzveig.

No prefácio escrito por Marcello Marcondes Machado, ele assinala que a Sociedade Brasileira de Nefrologia traz nessa publicaçao um conjunto de “informaçoes que a abrangem como um todo e nos seus detalhes, do passado ao futuro, incluindo a atualidade. A leitura desse texto é um aprendizado e um estímulo”.

Com introduçao de Décio Mion Jr. e Joao Egídio Romao Jr., o livro procura “resgatar os esforços, as lutas, as dificuldades e o sucesso de vários colegas nefrologistas e de diversos serviços, responsáveis pela introduçao e o desenvolvimento dessa especialidade médica no país”, assinalam.

Experiências, dificuldades e expectativas

O Jornal Brasileiro de Nefrologia (JBN) é outro capítulo dessa publicaçao. Foi lançado por José Augusto de Aguiar, na época presidente da SBN, com o intuito de promover o progresso e o desenvolvimento da especialidade pela difusao dos trabalhos sobre nefrologia. A partir de dezembro de 1993, o JBN vem sendo editado por Décio Mion Jr., que promoveu uma reestruturaçao visual e editorial no jornal. Para marcar a passagem dessa etapa do JBN, foi publicada uma ediçao histórica comemorativa, e os ex-presidentes foram convidados a escrever o Ponto de Vista Histórico, cujo objetivo era documentar os aspectos peculiares dos vários serviços ou da época em que foram presidentes.

Nesse livro também estao matérias desenvolvidas a partir de entrevistas, ou artigos de especialistas contando as suas experiências, suas dificuldades e expectativas. Foram tratados temas como Ensino da nefrologia (Jenner Cruz e Rui Toledo Barros); Registro brasileiro de dialise e transplante (Meide Silva Ançao), Informatica em nefrologia (Daniel Sigulem), Dialise (Tito Ribeiro de Almeida, Miguel Carlos Riella, Vicente César Massola e Vanda Jorgetti), Transplante renal (Luiz Estevam Ianhez, Flávio Jota de Paula, Agenor Spallini e José Osmar Medina), Fisiologia (Marcello Marcondes, Gerhard Malnic, Nestor Schor, José Francisco Figueiredo, Roberto Zatz e Antonio Carlos Seguro), Hipertensao arterial (Horácio Azjen, Helio Bernardes Silva, Artur Beltrame Ribeiro, Antonio Marmo Lucon, José Nery Praxedes e Décio Mion Jr.), Nefrologia clínica (Décio de Oliveira Penna, Thales de Brito, Luiz B Saldanha, Euthymia A Prado, Carlos V. Faria e Aparecido Bernardo Pereira), Nefrologia pediatrica (Julio Toporoviski, Clotilde Druck , Oly Lobato e Noemia P. Goldraich) e Insuficiência renal aguda (Sérgio Stella, Emmanuel Burdmann e Patrício Malheiro).

A Liga de Diagnóstico e Tratamento da Hipertensao Arterial da Faculdade de Medicina da USP é outro capítulo desse livro. Fundada em 1979, por Décio Mion Jr., foi a primeira Liga de Hipertensao do Brasil. Quando foi criada, já existiam na Faculdade as Ligas de Sífilis e de Febre Reumática. As Ligas sao estruturas onde assistentes e alunos trabalham juntos no intuito de oferecer um melhor tratamento ao paciente e oportunidade aos alunos para aprender desde como é feita a anamnese e o exame físico até as condutas terapêuticas mais adequadas. Segundo Mion, elas favorecem a integraçao do trabalho multidisciplinar.

As histórias da maioria dos Centros de Nefrologia, Hipertensao, Diálise e Transplante no Brasil estao registradas na publicaçao. Sao histórias de pioneirismo, de dificuldades, de lutas e de sucesso de unidades localizadas em todas as regioes do país, podendo começar em Manaus (AM), passando por Teresina (PI), Feira de Santana (BA), Campo Grande (MS), Baixada Fluminense (RJ), Araguari (MG), Rio Claro (SP), Pato Branco (PR), Vale do Itajaí (SC) e terminando em Bagé (RS).

Jornalista

Fotos reproduzidas do livro “História da Nefrologia Brasileira”

Quatro décadas de história da nefrologia brasileira

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