J. Bras. Nefrol. 2000;22(3 suppl. 4):1-6.

Estudo multicêntrico brasileiro de eficácia e tolerabilidade da associação de anlodipino e enalapril em formulação galênica única no tratamento da hipertensão arterial leve a moderada

Osvaldo Kohlmann Jr, Nárcia Elisa B Kohlmann, Marcelo C Batista, Décio Mion Jr, Kátia Ortega, João Carlos Rocha, Augusto T Rocha, Eduardo Abib, Wille Oigman

Objetivos: Comparar o emprego de uma formulaçao galênica única da associaçao do antagonista de cálcio dihidropiridínico anlodipino com o inibidor da enzima de conversao enalapril, em duas dosagens diferentes, com a utilizaçao isolada de cada um dos componentes da associaçao no tratamento de pacientes hipertensos essenciais leves a moderados. Métodos: Utilizou-se um estudo multicêntrico, duplo cego, randomizado e paralelo. Foi avaliada a eficácia anti-hipertensiva – com medida da pressao arterial no consultório e monitorizaçao ambulatorial da pressao arterial (MAPA) -, a tolerabilidade, a segurança clínica por exames clínico-laboratoriais, os efeitos nos metabolismos glicídico e lipídico e na morfometria e funçao cardíaca. Visando avaliar de forma objetiva e temporal o desenvolvimento eventual do adverso do edema de membros inferiores, foi determinado de modo seriado o volume das pernas dos pacientes pela técnica que utiliza o princípio de Arquimedes. O estudo teve duraçao de 24 semanas e foram incluídos 99 pacientes com pressao arterial diastólica entre 90 e 115 mm Hg após três semanas de retirada da medicaçao anti-hipertensiva. Resultados Os esquemas terapêuticos mostraram-se seguros e adequados ao tratamento. A associaçao galênica de anlodipino e enalapril nas duas doses empregadas apresentou, pela medida da pressao arterial no consultório e por MAPA, eficácia anti-hipertensiva semelhante ao emprego de anlodipino isolado e superior à observada com uso exclusivo do enalapril. Ressalta-se que a eficácia da associaçao foi obtida com doses menores que as empregadas com cada droga isolada. As duas dosagens da associaçao mostraram perfil de tolerabilidade superior ao do anlodipino ou do enalapril isolados, com reduçao significativa da incidência de tosse e de edema de membros inferiores, que foi acompanhada de um menor aumento no volume da perna. O tratamento com a associaçao nao modificou os parâmetros metabólicos e determinou reduçao nos índices da morfometria do ventrículo esquerdo. Conclusoes: A formulaçao galênica única da associaçao de anlodipino e enalapril é segura, útil, de alta eficácia e de melhor tolerabilidade que o emprego de cada componente isolado no tratamento de pacientes com hipertensao essencial leve à moderada.

Descritores: Hipertensao arterial. Associaçao de hipotensores. Anlodipino. Enalapril.

Abstract:

Objectives: A multicenter double-blind randomized parallel trial was designed to evaluate the use of an association of the calcium channel-blocker amlodipine and the angiotensin converting enzyme inhibitor enalapril as a single galenic formulation given in two differents dosages in comparison to each drug of this association given alone to patients with mild-to-moderate essential hypertension. Methods: For each treatment regimem the anti-hypertensive efficacy was evaluated through routine blood pressure recordings and ambulatory blood pressure monitoring (ABPM). It was also evaluated the tolerability, clinical and biochemical safety of the compounds, effects on glucose and lipid metabolism as well as the effects on left ventricle geometry. To evaluate with more acuracy the development of the adverse event, leg edema, the leg volume was measured through a methodology that uses the Archimeds principle. Ninety-nine patients with diastolic blood pressure ranging from 90 to 115 mm Hg after 3 weeks of washout of previous anti-hypertensive medications were included in the study and followed for 24 weeks. Results: All therapeutic regimens were considered safe and adequate for the treatment of hypertensive patients. The anti-hypertensive efficacy of the amlodipine + enalapril association given in two different dosages, evaluated through both routine blood pressure and the ABPM, was similar to that of amlodipine given alone and greater than that of enalapril, despite of the lower dosage of each compound. On the other hand, the association regimen in both dosages showed a superior tolerability profile in comparison to the therapies with amlodipine or enalapril alone. Indeed it was observed a lower incidence of cough and leg edema as well as smaller increments in leg volume in patients treated with the association. The amlodipine + enalapril association did not induce changes in the metabolic profile, but did improve the left ventricle geometry. Conclusions: The association of amlodipine and enalapril in a single galenic formulation is safe, highly effective and better tolerated then when each compound is given alone for the treatment of patients with mild-to-moderate essential hypertension.

Descriptors: Essential hypertension. Anti-hypertensive drugs combination. Amlodipine. Enalapril.

 

INTRODUÇAO

Os antagonistas dos canais de cálcio e os inibidores da enzima de conversao da angiotensina I estao entre os anti-hipertensivos preferenciais para o tratamento da hipertensao arterial, pois, além de drogas eficazes em monoterapia, têm capacidade de proteçao dos orgaos-alvo e apresentam uma baixa incidência de efeitos colaterais.1-3

Além disso, sao medicamentos que apresentam um bom perfil metabólico e também revertem ou previnem fenômenos tróficos como a hipertrofia de ventrículo esquerdo e a hipertrofia vascular.4,5

Os antagonistas dos canais de cálcio sao hipotensores potentes e promovem importante e predominante vasodilataçao arterial. Já os inibidores da enzima de conversao promovem vasodilataçao tanto arterial quanto venosa, 6 facilitando o retorno venoso ao coraçao, sendo essa uma das razoes pelas quais essas drogas sao altamente benéficas no tratamento da insuficiência cardíaca congestiva.7

Os principais efeitos colaterais dessas duas classes de anti-hipertensivos sao a tosse induzida pelos inibidores da enzima de conversao da angiotensina I (I-ECA)8 e o edema de membros inferiores acarretado pelos antagonistas dos canais de cálcio.9

O edema de membros inferiores, que pode ocorrer com o uso dos antagonistas do cálcio dihidropiridínicos, decorre do aumento da pressao na regiao dos capilares, devido à intensa vasodilataçao arterial induzida por esses hipotensores sem equiparável venodilataçao.10 Dessa maneira, há acúmulo de líquido na periferia com formaçao de edema que, em funçao de força gravitacional, fazse preferencialmente nos membros inferiores. Esse tipo de edema em geral nao responde à diureticoterapia.

Uma maneira de minimizar esse efeito colateral ou mesmo preveni-lo é a utilizaçao associada de uma droga que promova venodilataçao como, por exemplo, os inibidores da enzima de conversao da angiotensina I. Dessa maneira, a associaçao das duas classes de anti-hipertensivos tem sido preconizada, pois além de apresentar alta eficácia hipotensora, diminui de forma importante a freqüência de aparecimento do edema de membros inferiores, conseqüente ao uso de antagonistas do cálcio.

Por outro lado, deve-se lembrar que, como norma, o tratamento hipotensor deve ser sempre que possível simples, pois é conhecido que o emprego de duas ou mais drogas influencia negativamente a adesao ao tratamento crônico do estado hipertensivo.

Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar, em hipertensos essenciais leve a moderados, a tolerabilidade e a eficácia anti-hipertensiva pela medida da pressao arterial no consultório e nas 24 horas do dia pela monitorizaçao ambulatorial da pressao arterial (MAPA) de uma associaçao em formulaçao galênica única do antagonista dos canais de cálcio anlodipino com o inibidor da ECA, enalapril. Estudaram-se também a toxicologia clínica dessa associaçao, seus efeitos metabólicos e sobre a morfometria e funçao do ventrículo esquerdo.

MATERIAL E MÉTODOS

Pacientes

Foram estudados 99 pacientes hipertensos essenciais, com pressao arterial diastólica entre 95 mm Hg e 115 mm Hg, após três semanas de retirada da medicaçao antihipertensiva prévia. O estudo foi realizado em quatro centros de pesquisa clínica. Os pacientes incluídos no estudo eram de ambos os sexos e com idade variando entre 20 e 60 anos. Na Tabela 1 encontram-se os dados demográficos da populaçao estudada no momento da inclusao. Nao foram observadas diferenças significativas desses parâmetros entre os quatro grupos de pacientes.

Foram excluídos do estudo pacientes com: (1) hipertensao arterial severa ou maligna, (2) diabetes mellitus, (3) insuficiência cardíaca, (4) infarto do miocárdio, (5) revascularizaçao coronariana ou acidente vascular encefálico nos últimos 12 meses, (6) angina instável, arritmias cardíacas ou bloqueio átrio ventricular, (7) hepatopatias, (8) insuficiência renal, (9) discrasias sangüíneas e (10) história de alergia às drogas em estudo. Foram também excluídas as mulheres em idade fértil que nao faziam uso de método anticoncepcional medicamente aceitável.

O protocolo da pesquisa foi aprovado pelos comitês de ética em pesquisa das respectivas instituiçoes a que pertenciam cada centro envolvido. Todos pacientes assinaram o termo de consentimento pós-informado.

Desenho do estudo

O protocolo deste estudo tinha desenho duplo cego, randomizado, comparativo e paralelo com quatro braços de tratamento ativo, sendo os pacientes alocados aleatoriamente para receber anlodipino ou enalapril isoladamente ou a formulaçao galênica dos dois compostos associados em duas doses diferentes.

O estudo teve uma duraçao total de 27 semanas, sendo que nas três semanas iniciais os pacientes foram tratados com placebo para estabelecimento do período basal. Após esse período, passaram a receber anlodipino 5 mg/dia, ou enalapril 10 mg/dia, ou a associaçao de anlodipino 2,5 mg e enalapril 10 mg/dia ou ainda a associaçao de anlodipino 5 mg e enalapril 10 mg/dia de acordo com o grupo a que pertenciam.

A dosagem da medicaçao foi mantida inalterada nas primeiras seis semanas do período de tratamento ativo do estudo. A partir desse ponto, se a pressao arterial diastólica se mantivesse superior a 90 mm Hg, as dosagens das drogas eram reajustadas para anlodipino 10 mg/dia, enalapril 20 mg/dia, associaçao de anlodipino 5 mg e enalapril 10 mg/dia, ou associaçao de anlodipino 5 mg e enalapril 20 mg/ dia, respectivamente, de acordo com o grupo a que pertenciam os pacientes.

Os pacientes foram avaliados após 1, 3, 6, 12, 18 e 24 semanas do início do tratamento ativo. Em cada visita eram obtidos os valores da pressao arterial e da freqüência cardíaca nas posiçoes supina e ortostática e do peso corporal; eram registrados os efeitos colaterais.

No período basal e após uma e seis semanas do início do tratamento ativo, foram obtidos os seguintes parâmetros bioquímicos que serviram para análise de toxicologia clínica da associaçao em estudo: hematológico completo, parâmetros metabólicos, eletrólitos, provas de funçao renal e provas de funçao hepática, além de um eletrocardiograma.

Além disso, no período basal e ao final do estudo, foram determinados em todos os pacientes estudados os valores da pressao arterial nas 24 horas pela monitorizaçao ambulatorial da pressao arterial (MAPA), os parâmetros da geometria e funçao do ventrículo esquerdo pelo ecocardiograma bidimensional com doppler, estudo do metabolismo glicídico com determinaçao dos valores das glicemias e insulinemias de jejum (tempo 0) e 2 horas (tempo 120) após sobrecarga de glicose, permitindo, assim, o cálculo do índice de sensibilidade à insulina e também do metabolismo lipídico com a determinaçao dos valores do colesterol total e fraçoes e dos triglicérides. O índice de sensibilidade à insulina foi calculado por metodologia simplificada11 conforme se segue: faz-se a divisao da constante 10.000 pelo produto das médias da glicemia e da insulinemia nos pontos 0 e 120. {IS = 10.000 / (G0+G120/2) x (I0+I120/2)}.

Com o propósito de avaliar, de forma objetiva e temporal, o aparecimento de edema de membros inferiores, que é a expressao do aumento do conteúdo de líquidos no tecido celular subcutâneo, foi determinado o volume das pernas dos pacientes dos quatro grupos no período basal e nas semanas 6, 12 e 24 do estudo, pela técnica que utiliza o princípio físico da lei de Arquimedes. Essa técnica está baseada no princípio do deslocamento de volumes, e consiste na determinaçao do volume de água deslocada quando o paciente introduz as duas pernas em recipiente preenchido com água. A água deslocada é recolhida em um recipiente apropriado e, pelo seu peso, é calculado o volume deslocado que representa o volume da perna.12

Análise estatística

Para a análise estatística dos dados, foi utilizada a análise de variância complementada com testes de Scheffé, Dun ou Tukey conforme apropriados..

RESULTADOS

Eficácia anti-hipertensiva

A. Pressao arterial de consultório e freqüência cardíaca

As figuras 1 e 2 apresentam os valores das pressoes arteriais sistólica e diastólica no período basal (semana 3) e ao final do estudo (semana 27), tanto na posiçao supina (Figura 1) quanto em ortostatismo (Figura 2).


Figura 1 – Valores médios da pressao arterial sistólica (painel esquerdo) e da pressao arterial diastólica (painel direito) na posiçao supina no período basal (pré) e ao final do estudo (pós)
Figura 2 – Valores médios da pressao arterial sistólica (painel esquerdo) e da pressao arterial diastólica (painel direito) na posiçao ortostática no período basal (pré) e ao final do estudo (pós)

Observa-se na Figura 1 que os valores da pressao sistólica e da diastólica, na posiçao supina no período basal, nao diferiram entre os quatro grupos e eram da ordem de 158±16/102±5 mm Hg para o grupo anlodipino, de 165±16/106±6 mm Hg no grupo enalapril, de 160±14/104±5 mm Hg para o grupo associaçao menor dose (A 2,5 mg + E 10 mg) e de 160±12/104±5 mm Hg no grupo de pacientes tratados com a associaçao das drogas na maior dose (A 5 mg + E 10 mg). Em todos os grupos observa-se reduçao dos níveis tensionais de forma progressiva já a partir da primeira semana de tratamento, sendo ao final do estudo registrado os seguintes valores da pressao arterial: 134±11/89±6 mm Hg (anlodipino); 149±18/95±9 mm Hg (grupo enalapril); 138±15/91±5 mm Hg (associaçao A 2,5 mg + E 10 mg) e 139±15/92±8 mm Hg (associaçao A 5 mg + E 10 mg). Assim, os grupos anlodipino, associaçao menor dose e associaçao maior apresentaram reduçoes pressóricas semelhantes: -24/13 mm Hg, -22/13 mm Hg e -21/12 mm Hg, respectivamente. Já no grupo de pacientes tratados com enalapril isoladamente, a reduçao pressórica observada foi um pouco menor, isto é, -16/11 mm Hg, sendo a reduçao da PA sistólica significantemente menor quando comparada com àquela obtida nos demais grupos.

Na posiçao ortostática, no período basal, os valores das pressoes arteriais também nao diferiram significativamente entre os quatro grupos e eram: 151±15/103±6 mm Hg para o grupo anlodipino, 160±14/105±6 mm Hg para o grupo enalapril, 156±16/103±5 mm Hg no grupo anlodipino 2,5 mg + enalapril 10 mg e 160±12/104±5 mm Hg no grupo de pacientes tratados com anlodipino 5 mg + enalapril 10 mg. A semelhança do observado na posiçao supina, ocorreu progressiva reduçao dos valores pressóricos já a partir da primeira semana em todos os grupos de tratamento. Ao final do estudo, foram registrados os seguintes valores pressóricos: 128±11/91±8 mm Hg, 144±18/97±7 mm Hg, 134±13/92±8 mm Hg e 139±15/ 92±8 mm Hg, respectivamente, para os grupos anlodipino, enalapril, associaçao-menor dose e associaçao-maior dose (Figura 2).

A freqüência cardíaca também nao diferia entre os quatro grupos de estudo, sendo no período basal seus valores médios supinos: 75±9 bpm para o grupo anlodipino, 70±9 bpm (grupo enalapril), 72±8 bpm (grupo associaçao menor dose) e 75±11 bpm (grupo associaçao maior dose). Esse parâmetro nao se alterou de forma significativa com qualquer dos esquemas terapêuticos empregados nem em qualquer período do estudo. Ao final do estudo, os valores registrados foram 70±7 bpm, 73±8 bpm, 73±8 bpm e 76±9 bpm, respectivamente, para os grupos anlodipino, enalapril, associaçao A 2,5 mg + E 10 mg e associaçao A 5,0 mg + E 10 mg.

B. Monitorizaçao ambulatorial da pressao arterial (MAPA)

A eficácia anti-hipertensiva dos quatro compostos antihipertensivos foi também avaliada pela MAPA e, como pode-se observar na Tabela 2, os valores médios basais das pressoes sistólica e diastólica nas 24 horas, nos períodos diurno e noturno, nao diferiram entre os quatro grupos. Do mesmo modo, nao havia diferenças no período basal quanto à carga pressórica sistólica e diastólica diurna ou noturna.

Os regimes terapêuticos com anlodipino isoladamente ou com a associaçao de anlodipino e enalapril na dose maior ou na menor, determinaram reduçoes significativas e semelhantes das pressoes arteriais sistólica e diastólica nas 24 horas, no período diurno e noturno. Do mesmo modo, esses três regimes terapêuticos acarretaram importantes reduçoes nas cargas sistólica e diastólicas em ambos os períodos estudados. Com as duas doses da associaçao, observam-se reduçoes das cargas pressóricas para valores dentro da faixa de normalidade.

A terapêutica com enalapril isoladamente determinou reduçao pressórica que, embora significativa, foi de menor intensidade que a observada com os outros três regimes terapêuticos, sendo que no período noturno os níveis pressóricos já nao diferiam significativamente dos registrados na fase de pré-tratamento. Do mesmo modo, a reduçao na carga pressórica foi menor nesse grupo nos dois períodos estudados, permanecendo os percentuais em faixa considerada como indicativa de estado hipertensivo.

As Figuras 3 e 4 apresentam a curva pressórica das 24 horas construída a partir dos valores horários das pressoes sistólica e diastólica e registrada na MAPA nos 4 grupos estudados.


Figura 3 – Valores médios horários da pressao arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) durante a Monitorizaçao Ambulatorial da Pressao Arterial (MAPA), no período basal (pré) e ao final do estudo (pós), nos grupos anlodipino (painel esquerdo) e enalapril (painel direito)
Figura 4 – Valores médios horários da pressao arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) durante a Monitorizaçao Ambulatorial da Pressao Arterial (MAPA), no período basal (pré) e ao final do estudo (pós), nos grupos associaçao anlodipino 2,5 mg+enalapril 10 mg (painel esquerdo) e associaçao anlodipino 5 mg+enalapril 10 mg (painel direito)

Pode-se observar que o tratamento com a anlodipino isoladamente (Figura 3) e com a associaçao nas duas doses estudadas (Figura 4) determinou reduçoes da pressao sistólica e da diastólica, que se mantiveram significativas nas 24 horas do dia, respeitando, assim, o ritmo normal da pressao arterial. Ressalta-se que, com a maior dose da associaçao, os valores pressóricos apresentavam-se significativamente reduzidos, mesmo imediatamente antes da próxima tomada do medicamento, demonstrado claramente a açao mantida nas 24 horas do dia dessa terapêutica. Com a menor dose da associaçao, observou-se uma tendência a aumento da pressao arterial ao final do período de registro detectado, porém, apenas nas últimas determinaçoes da MAPA.

Já no grupo de pacientes tratados com enalapril (Figura 3), além de uma menor reduçao da pressao arterial em relaçao aos demais grupos, observa-se um retorno da pressao arterial, especialmente da diastólica, no período noturno para níveis que nao diferem daqueles registrado na fase pré-tratamento, denotando, assim, uma falta de controle pressórico nas 24 horas do dia com essa terapia.

C. Taxa de normalizaçao e de respondedores (Tabela 3)

Ao final das 24 semanas de tratamento, a pressao arterial diastólica havia normalizado em 40% dos pacientes do grupo anlodipino, isto é, em 8 dos 20 pacientes; em 9 dos 24 pacientes que receberam a associaçao A 2,5 mg + E 10 mg (37,5%), e em 50%, ou seja, 13 dos 26 hipertensos tratados com a associaçao de anlodipino 5 mg e enalapril 10 mg em uma única formulaçao galênica. Já no grupo de pacientes tratados com enalapril isoladamente, a taxa de normalizaçao da pressao arterial foi um pouco menor: 22,7%, isto é, os valores da pressao arterial diastólica eram inferiores a 90 mm Hg somente em 5 dos 21 pacientes que concluíram o estudo, sendo essa taxa significativamente menor que a observada com os demais tratamentos.

Foi também avaliada a taxa de respondedores de cada grupo, ou seja, o percentual de pacientes tratados que, a despeito de nao ter alcançado a normalizaçao da pressao arterial, apresentou reduçao de pelo menos 10 mm Hg na pressao arterial diastólica. Os percentuais obtidos para cada um dos grupos foram de: 30%, 38,1%, 29,2% e 23,1%, respectivamente, para os grupos anlodipino, enalapril, associaçao A 2,5 mg + E 10 mg e associaçao A 5mg + E 10 mg.

Portanto, quando compara-se a eficácia anti-hipertensiva, isto é, a soma dos percentuais de normalizaçao pressórica e de respondedores dos quatro regimes terapêuticos, verifica-se que foram semelhantes entre os grupos anlodipino isoladamente (70%; 14/20 pacientes), associaçao A 2,5 mg + E 10 mg (66,7%; 16/24 pacientes) e associaçao A 5 mg + E 10 mg (73,1 %; 19/26 pacientes). Para o grupo de pacientes que recebeu enalapril isoladamente, a taxa de eficácia anti-hipertensiva foi um pouco menor: de 61,9% (13/21 pacientes), sendo estatisticamente diferente da taxa observada no grupo A 5 mg + E 10 mg.

Ainda em relaçao à eficácia anti-hipertensiva dos quatro tratamentos empregados neste estudo, dois outros aspectos foram avaliados: (1) percentual de pacientes que necessitaram titulaçao para a dose superior do regime terapêutico e (2) dose média dos medicamentos utilizados (Tabela 3). Observa-se que a maioria dos pacientes tratada com os quatro regimes terapêuticos teve a dose da medicaçao titulada para o patamar superior, isto é, 69,6% dos pacientes do grupo anlodipino, 85,5% no grupo enalapril, 79,1% dos pacientes tratados inicialmente com a associaçao A 2,5 mg + E 10 mg e em 65,4% dos pacientes que iniciaram o tratamento com a associaçao galênica de A 5 mg + E 10 mg.

Desse modo, a dose média de anti-hipertensivo em uso ao final do estudo era: 8,5 mg para o grupo anlodipino isolado, 18,9 mg para grupo enalapril, 4,5 mg de anlodipino + 10 mg de enalapril (grupo associaçao menor dose) e 5 mg de anlodipino + 16,5 mg de enalapril (grupo associaçao maior dose).

Como a maior parte dos pacientes necessitou titulaçao para a dose superior, os resultados dos pacientes tratados com a associaçao galênica de anlodipino e enalapril foram reanalizados agrupando-os de acordo com a dose em uso no final do estudo. Assim, dos 50 pacientes tratados com a associaçao, cinco permaneceram ao final do estudo recebendo anlodipino 2,5 mg + enalapril 10 mg, 28 pacientes estavam em uso de anlodipino 5mg + enalapril 10 mg e os 17 restantes recebendo a associaçao de anlodipino 5mg + enalapril 20 mg. Como era de se esperar, pelo próprio desenho do protocolo, observa-se um certo gradiente nos valores pressóricos basais que na posiçao supina eram de l49±10/99±3 mm Hg para o subgrupo A 2,5 mg + E 10 mg, 161±12/104±5 mm Hg para o subgrupo A 5 mg + E 10 mg e 162±13/105±5 mm Hg para os paciente tratados A 5 mg + E 20 mg. A semelhança do descrito para os grupos originais, observa-se reduçao significativa e progressiva da pressao arterial em todos grupos que atingiram ao final do estudo valores de: 130±7/86±3 mm Hg, 137±10/91±5 mm Hg e 142±17/94±8 mm Hg, respectivamente, para os subgrupos menor dose, dose intermediária e maior dose.

O comportamento pressórico foi semelhante na posiçao ortostática, sem ocorrer relato de hipotensao postural. Também nao se observou variaçao significativa da freqüência cardíaca.

Em relaçao à eficácia anti-hipertensiva, ela foi de 100% (todos com PA normal) para os pacientes que permaneceram com a menor dose, de 71,4 % para os pacientes que ao final do estudo estavam utilizando A 5 mg + E 10 mg e de 64,7% para os pacientes que foram titulados para a dose de anlodipino 5 mg e + enalapril 20 mg.

Portanto, pode-se afirmar que o emprego da associaçao galênica em doses diferentes, porém menores que as utilizadas pelos grupos tratados com cada droga isolada, mostrou eficácia superior à observada com o enalapril isolado e semelhante àquela obtida com a anlodipino como droga única.

Tolerabilidade

A. Eventos adversos

Quando se analisa o relato de efeitos adversos (Tabela 4), entendendo-se por tal toda e qualquer sintomatologia relacionada ou nao à medicaçao em estudo, observase que o número de efeitos relatados no grupo anlodipino foi maior em termos absolutos e proporcionais (69 eventos em 23 pacientes; proporçao de 3,0 eventos por paciente) do que aqueles apresentados por pacientes do grupo tratados com a associaçao A 2,5 mg + E 10 mg (55 eventos em 24 pacientes; proporçao de 2,29 eventos por paciente), assim como no grupo que recebeu a associaçao A 5 mg + E 10 mg (59 eventos em 26 pacientes; proporçao de 2,27 eventos por paciente). Os 26 pacientes tratados somente com o enalapril relataram um total de 79 eventos e, portanto, proporçao de 3,04 eventos por paciente, também maior do que a relatada por pacientes tratados com a associaçao de drogas.

Como houve necessidade de titulaçao da dose para a maioria dos pacientes, tornou-se importante a análise da tolerabilidade da associaçao nas três doses empregadas. Novamente observa-se que os pacientes tratados com associaçao de drogas em todas as suas dosagens apresentam menor incidência absoluta e proporcional de eventos adversos que os grupos tratados com anlodipino ou enalapril isoladamente. Assim, houve relato de 11 eventos adversos pelos cinco pacientes que permaneceram até o final do estudo com a dosagem A 2,5 mg + E 10 mg, resultando em uma proporçao de 2,20 eventos por paciente. Os 28 pacientes, cuja dose da associaçao ao final do estudo era A 5 mg + E 10 mg, apresentaram 64 eventos adversos; proporçao 2,28 eventos por paciente. Finalmente no grupo de pacientes (n=17) que tiveram a dose da associaçao titulada para A 5 mg + E 20 mg, observa-se relato de 39 eventos com proporçao de 2,29 eventos por pacientes. Portanto, a proporçao de eventos com as três doses da associaçao foi menor que a observada com o uso isolado da anlodipino (3,0/paciente) ou do enalapril (3,04/paciente).

Os principais eventos adversos relatados foram: edema de membros inferiores; tosse; cefaléia; câimbras; dormência de membros inferiores; obstipaçao intestinal; dor torácica; dor em membros inferiores; resfriado; dor muscular; zumbido; tonturas; e rubor facial.

A Figura 5 apresenta a incidência comparativa entre os quatro grupos dos três principais eventos adversos relatados, isto é, edema de membros inferiores, tosse e cefaléia.


Figura 5 – Freqüência percentual dos três principais eventos adversos observados com os quatro esquemas terapêuticos

Os pacientes tratados com anlodipino isoladamente apresentaram uma maior incidência absoluta e relativa de edema de membros inferiores, sendo esse evento adverso detectado em 10 pacientes, representando 43,5% do grupo. Já entre os pacientes que receberam a associaçao anlodipino 2,5 mg + enalapril 10 mg, a incidência de edema foi cerca de 10 vezes menor (1 paciente representando 4,2%). No grupo tratado com a associaçao A 5 mg + E 10 mg, a incidência de edema foi cerca de quatro vezes menor que a observada em pacientes tratados somente com anlodipino (3 pacientes representando 11,5% da amostra). No grupo enalapril, a incidência desse evento adverso foi de 19,1% (5 pacientes).

Em relaçao à tosse, observa-se maior incidência relativa e proporcional no grupo enalapril (19,1%; 5 pacientes) e menor nos indivíduos tratados com as duas dosagens da associaçao: 12,5% no grupo A 2,5 mg + E 10 mg e 7,7% no grupo de pacientes alocados para A 5 mg + E 10 mg. Nao houve relato de tosse no grupo de pacientes tratados somente com anlodipino.

Por último, a incidência relativa e absoluta de cefaléia foi semelhante nos grupos tratados com anlodipino isoladamente ou com as duas dosagens da associaçao de anlodipino e enalapril (18,2%; 16,7% e 15,4% respectivamente) e cerca do dobro no grupo que recebeu enalapril isoladamente l (34,6%).

A análise da freqüência desses três efeitos adversos nos pacientes tratados com a associaçao de anlodipino e enalapril em suas três dosagens diferentes demonstra que para todas as formulaçoes foram observadas menores incidências absoluta e relativa de edema de membros inferiores e de tosse, quando comparados aos grupos tratados somente com anlodipino ou enalapril, respectivamente.

Portanto, o emprego dessa associaçao de drogas em suas três dosagens no tratamento de pacientes hipertensos se acompanhou de uma menor incidência absoluta e relativa do principal efeito adverso de cada um dos componentes da associaçao quando utilizados isoladamente, isto é, o edema de membros inferiores (para a anlodipino) e a tosse (para o enalapril).

B. Volume da perna

A medida seriada do deslocamento do volume de água pela perna dos pacientes dos quatro esquemas terapêuticos foi utilizada como uma avaliaçao objetiva da incidência do evento adverso, edema de membros inferiores que aparece com o uso de antagonistas de cálcio e reflete a retençao de líquidos no tecido celular subcutâneo da perna, predominantemente na regiao maleolar.

A Figura 6 representa esses volumes no período basal e ao final do estudo para os quatro grupos de pacientes. Em primeiro lugar, é importante notar que existe uma razoável variaçao entre os grupos no que concerne ao volume da perna no período basal. Tais diferenças provavelmente sao explicadas por diferenças no biótipo dos pacientes. Assim, tem significado a variaçao do volume da perna observada com um determinado tratamento e nem tanto o valor atingido. Pode-se observar que o volume médio das pernas dos pacientes tratados somente com anlodipino era da ordem de 5103±568 ml no período basal. Após 24 semanas de tratamento, esse volume elevou-se para 5340±543 ml (p<0,05). Já para os grupos tratados com associaçao de anlodipino e enalapril, na me nor e maior dose, o incremento no volume da perna foi significativamente menor. Assim, no grupo A 2,5 mg + E 10 mg o volume da perna basal era de 5297±725 ml e, ao final do estudo, registrou-se um volume de 5411±740 ml. Os pacientes do grupo A 5 mg + E 10 mg partiram de um volume de perna inicial 4970±711 ml e atingiram 5054±714 ml após 24 semanas de tratamento. Nos pacientes que receberam enalapril isoladamente, nao foram observadas variaçoes significativas desse parâmetro, sendo os volumes 5263±601 ml e 5259±599 ml nos períodos basal e final do estudo, respectivamente.


Figura 6 – Valores médios do volume da perna dos pacientes dos quatro grupos de estudo registrados no período basal e ao final do seguimento (24ª semana)

Na Figura 7 estao apresentadas as variaçoes temporais desse volume da perna (em mediana) nos quatro grupos de pacientes. Observa-se que o incremento do volume da perna dos pacientes que receberam anlodipino foi progressivo, estabilizando-se ao redor da 12ª semana de tratamento (ao redor de 150 ml de incremento, valores em mediana). Essa evoluçao temporal reflete e confirma a observaçao clínica do aparecimento mais tardio do edema de tornozelo nos pacientes. Nos pacientes tratados com a associaçao das drogas, o incremento do volume da perna em todas as determinaçoes foi significantemente menos intenso e cerca de metade a um quinto daquele observado nos pacientes do grupo anlodipino. No grupo enalapril também nao foram detectadas variaçoes temporais significativas desse parâmetro.


Figura 7 – Variaçao mediana temporal do volume da perna dos pacientes dos quatro grupos do estudo *p<0,05 versus demais grupos

Portanto, esses resultados demonstram haver um paralelismo entre o incremento no volume da perna e a incidência de edema de membros inferiores avaliada clinicamente, e que a associaçao do inibidor da ECA enalapril com anlodipino reduz a incidência de edema de membros inferiores por diminuir o acúmulo de líquidos no tecido celular subcutâneo da perna dos pacientes tratados com essa combinaçao de drogas.

C. Interrupçao prematura do tratamento

Um outro parâmetro utilizado para avaliar a tolerabilidade de um medicamento anti-hipertensivo é a freqüência de interrupçao prematura do tratamento em decorrência de eventos adversos (Tabela 4).

Dos 23 pacientes randomizados para o tratamento com anlodipino isoladamente, 3 foram retirados do estudo prematuramente em decorrência do efeito adverso edema de membros inferiores. De forma semelhante, cinco pacientes do grupo enalapril também nao concluíram a pesquisa, sendo a causa o efeito adverso tosse em 3 pacientes, falta de controle pressórico em 1 e gravidez de 1 paciente durante o estudo

Diferentemente, todos o s pacientes alocados aleatoriamente para tratamento com a s duas doses d a associaçao de anlodipino e enalapril concluíram o estudo.

Desse modo, concluíram o estudo: 20 pacientes do grupo anlodipino, 21 do grupo enalapril, 24 indivíduos tratados com a menor dose da associaçao e 26 pacientes alocados para receber a associaçao d e anlodipino 5 mg e enalapril 10 mg em uma única formulaçao galênica.

Toxicologia clínica

Os quatro regimes terapêuticos empregados nao se acompanharam de alteraçoes significativas nos parâmetros avaliados pelo exame físico do paciente, no peso corporal e em parâmetros bioquímicos como hematologia, funçao hepática, funçao renal, metabólicos, iônicos e nos parâmetros eletrocardiográficos, denotando, desse modo, serem seguros para o tratamento de pacientes hipertensos essenciais leve a moderados.

Efeitos metabólicos

Nas Tabelas 5 e 6 estao expressos os valores de parâmetros do metabolismo glicídico e lipídico no período basal e após 24 semanas de tratamento com cada um dos quatros regimes terapêuticos avaliados nesse estudo.

A. Metabolismo glicídico

As glicemias e as insulinemias no jejum e nos 120 minutos após a sobrecarga de glicose, mais o índice de sensibilidade à insulina nao foram diferentes no período basal entre os quatro grupos de pacientes. É importante ressaltar, também, que todos os valores encontravam-se dentro da faixa da normalidade.

A terapêutica com o enalapril isoladamente acompanhou-se de discreta mas significante reduçao nos níveis da glicemia de jejum. Do mesmo modo pequenos, porém estatisticamente significantes, aumentos nos valores da glicemia e da insulinemia após sobrecarga de glicose foram observados no grupo de pacientes tratados com a menor dose da associaçao (Tabela 5). Como a intensidade dessas alteraçoes foi de pequena monta e manteve os valores desses parâmetros dentro da faixa de normalidade, possivelmente tais mudanças nao tenham significado clínico. Nos grupos de tratamento com anlodipino isolado ou com a associaçao A 5 mg + E 10 mg nao foram observadas mudanças significativas em qualquer parâmetro do metabolismo glicídico.

B. Metabolismo lipídico

Nao se observaram diferenças entre os grupos no período basal em relaçao aos valores plasmáticos do colesterol total, de suas fraçoes e dos triglicérides (Tabela 6). Esses parâmetros também nao se alteram no decurso do tratamento com qualquer dos esquemas terapêuticos empregados neste estudo.

Efeitos sobre a morfometria e as funçoes cardíacas

A. Parâmetros da morfometria cardíaca

Como podem ser observados na Tabela 7, os valores do índice de massa de ventrículo esquerdo (IMVE), a relaçao volume massa do ventrículo esquerdo (V/M) e a espessura do septo interventricular (ES) e da parede posterior do ventrículo esquerdo (EPP) no período basal nao eram diferentes entre os grupos e se encontravam dentro da faixa de normalidade. A despeito disso, observa-se que o tratamento com a associaçao de anlodipino e enalapril nas duas doses estudadas, especialmente com a formulaçao de anlodipino 5 mg e enalapril 10 mg, acarretou reduçoes significantes da massa e das espessuras do septo e da parede posterior do ventrículo esquerdo, com conseqüente aumento da relaçao volume e massa do VE. Esses parâmetros nao sofreram mudanças significativas com o uso isolado do anlodipino ou enalapril.

B. Funçao cardíaca

Os parâmetros da funçao sistólica e da diastólica ao ecocardiograma apresentavam-se dentro da normalidade no período basal em todos os grupos. Os diferentes tratamentos nao acarretaram mudanças significativas nesses índices.

DISCUSSAO

Os resultados do presente trabalho demonstram que a formulaçao galênica, contendo na mesma cápsula o antagonista dos canais de cálcio dihidropiridínico anlodipino associado ao inibidor da enzima de conversao enalapril, é segura para o tratamento de pacientes hipertensos essenciais leve a moderados, uma vez que nao foram observadas alteraçoes deletérias significativas dos parâmetros clínicos avaliados no exame físico, bem como na extensa bateria de exames bioquímicos de urina e eletrocardiográfico avaliados agudamente e após seis meses de exposiçao dos pacientes a essa terapêutica.

Ainda levando-se em conta o aspecto de segurança da terapêutica, deve-se ressaltar que, apesar de se ter utilizado duas drogas anti-hipertensivas associadas, nao foi relatado nenhum episódio de hipotensao arterial na posiçao supina ou no ortostatismo, mesmo para pacientes com níveis de hipertensao arterial classificada como forma leve ou estágio I.

Um ponto importante a considerar no período de tratamento do paciente hipertenso refere-se à eficácia do hipotensor escolhido. Os resultados deste estudo multicêntrico demonstram que a associaçao do antagonista de cálcio com o inibidor da ECA empregada é de alta eficácia, comparável àquela obtida com o uso isolado do antagonista de cálcio anlodipino que, para a maioria dos pacientes, necessitou ser administrado em dose máxima preconizada. Deve-se lembrar que as doses desse antagonista dos canais de cálcio contidas na associaçao em estudo correspondiam a um quarto (2,5 mg) e metade (5 mg) da dose máxima preconizada. Quando comparada ao inibidor ECA, enalapril utilizado como droga isolada, a eficácia da associaçao foi superior, quer na avaliaçao com a medida da pressao arterial no consultório quer pela monitorizaçao ambulatorial da pressao arterial.

Modernamente, a eficácia anti-hipertensiva de uma droga deve ser avaliada nao só pela pressao de consultório, mas também por seus efeitos sobre a pressao arterial nas 24 horas, avaliada por MAPA.

Os resultados demonstram que todas as doses testadas da associaçao de anlodipino e enalapril sao eficazes no controle da pressao arterial nas 24 horas, uma vez que se observa reduçao pressórica no período diurno e noturno, respeitando o ritmo natural de variaçao da pressao arterial. Mais ainda com a associaçao na dosagem A 5 mg + E 10 mg, verifica-se que os níveis tensionais, imediatamente antes da próxima ingestao do medicamento, encontravam-se significantemente reduzidos em comparaçao aos valores registrados no período basal, demonstrando a clara eficácia anti-hipertensiva da associaçao nas 24 horas do dia.

Um segundo ponto, muito importante a ser avaliado na escolha do hipotensor, diz respeito à tolerabilidade ao agente hipotensor. Sabe-se que a adesao ao tratamento é fortemente influenciada pelo perfil de tolerabilidade da droga em uso.13

Nesse aspecto, este estudo demonstra que a associaçao de anlodipino e enalapril em todas as doses utilizadas foi melhor tolerada que o antagonista de cálcio ou o inibidor da ECA isolados.

Em parte, essa melhor tolerabilidade pode ser explicada como decorrente da utilizaçao de menores doses de cada um dos hipotensores, uma vez que é conhecida a existência de relaçao entre a dose utilizada de um hipotensor e a freqüência de eventos adversos.

Essa talvez possa ser a explicaçao da freqüência significativamente menor de tosse entre os pacientes tratados com a associaçao, em comparaçao àqueles tratados apenas com o enalapril. Assim, a dose média de enalapril em uso ao final do estudo era menor nos pacientes, recebendo a associaçao, que naqueles tratados somente com o inibidor da ECA. Por outro lado, em cerca de um terço dos pacientes tratados com a associaçao (17 entre 50), a dose de enalapril foi titulada para 20 mg (associaçao A 5 mg + E 20 mg), semelhante à máxima utilizada isoladamente neste estudo. Nesses pacientes, mais uma vez a freqüência de tosse foi bem menor, ao redor de cinco vezes menos (3,4%), quando comparada aos pacientes tratados apenas com o enalapril (17,7%), a despeito de ter sido utilizado dosagem semelhante do inibidor da ECA. Portanto, outros fatores como uma possível interaçao sinérgica em mecanismos fisiopatogênicos deve ser aventada. Os dados deste estudo, contudo, nao permitem explorar essa possibilidade.

Por outro lado, a importante reduçao na freqüência de certos efeitos adversos como o desenvolvimento do edema de membros inferiores, observada com o uso da associaçao, pode ser explicada por esta interaçao sinérgica sobre o mecanismo fisiopatogênico.

Assim, sabe-se que os antagonistas do cálcio dihidropiridínicos sao potentes vasodilatadores arteriais sem, no entanto, dilatarem na mesma proporçao o território venoso. Mais ainda tem sido demonstrado que esses agentes podem acarretar em graus variáveis estimulaçao simpática secundária, aumentando a liberaçao de catecolaminas que por fim promoveriam venoconstriçao.14 Desse modo, em pacientes tratados com dihidropiridínicos, haveria um aumento da pressao hidráulica no território capilar, sobrepujando a pressao oncótica com conseqüente extravasamento de líquidos para o espaço intersticial e, portanto, com a formaçao de edema. Por açao gravitacional, esse edema tende a se localizar nos membros inferiores, especialmente na regiao maleolar, embora inclusive anasarca já tenha sido descrita em pacientes em uso de antagonistas de cálcio dihidropiridínicos. Esse evento adverso dos antagonistas de cálcio dihidropiridínicos em geral é de aparecimento tardio (após 6 a 8 semanas de tratamento), intensifica-se durante o dia e durante o período do verao.

Por outro lado, também é amplamente conhecida a capacidade de dilataçao do território arterial e do venoso dos inibidores da enzima de conversao. Aliás, a capacidade de venodilataçao desses compostos explica, pelo menos em parte, a grande utilidade dos mesmos em pacientes com insuficiência cardíaca.

Assim, quando associa-se um inibidor da ECA ao antagonista de cálcio dihidropiridínico, pode-se diminuir a pressao hidráulica do capilar pela interaçao mecanística e, conseqüentemente, a formaçao do edema.

Os presentes resultados suportam essa hipótese, uma vez que se demonstra que, com associaçao em todas as suas doses utilizadas, o aumento no volume das pernas dos pacientes foi significativamente menor (cerca de 2 a 5 vezes menos) que nos pacientes tratados apenas com a anlodipino.

A melhor tolerabilidade da associaçao, como já comentado anteriormente, com certeza terá influência benéfica à adesao do tratamento. Aliás, neste estudo, nenhum paciente interrompeu precocemente a pesquisa em decorrência de efeito adverso, o que pelo contrário foi observado tanto no grupo da anlodipino quanto do enalapril utilizados isoladamente.

Sabe-se que a adesao do paciente ao tratamento é influenciada por inúmeros fatores, tais como relaçao médico-paciente, conhecimento da doença, ausência de sintomas, desenvolvimento de efeitos adversos com a medicaçao hipotensora e número de comprimidos a serem ingeridos, dentre outros.13

Desse modo, a associaçao de anlodipino e enalapril avaliada neste estudo apresenta um segundo ponto positivo em relaçao à adesao do paciente ao tratamento, que é a sua comodidade posológica, isto é, os dois hipotensores estarem acondicionados na mesma formulaçao galênica e com duraçao de açao em 24 horas, permitindo a ingestao diária única da medicaçao.

Um terceiro aspecto importante a ser considerado na escolha do anti-hipertensivo sao seus efeitos sobre os metabolismos, principalmente glicídico e lipídico, uma vez que alguns agentes podem exercer influências negativas sobre esses, agravando o risco cardiovascular do paciente hipertenso. Nesse aspecto, observa-se que a associaçao apresenta um perfil adequado, nao modificando significativamente ambos os metabolismos, o que era esperado, uma vez que se sabe que os antagonistas de cálcio em geral sao neutros em relaçao aos metabolismos glicídico e lipídico e os inibidores da ECA podem, inclusive, melhorar a sensibilidade à insulina.4,5

Por último, deve-se lembrar que é de extrema importância avaliar a capacidade dos hipotensores de reverterem a lesao de orgaos-alvo induzida pela hipertensao, pois é pela sua proteçao que o tratamento do paciente hipertenso pode diminuir seu risco de morbimortalidade cardiovascular. Os resultados demonstram alta capacidade da associaçao estudada em reverter uma dessas lesoes de orgaos-alvo: a hipertrofia cardíaca. Assim, observamse nos pacientes tratados com todas as doses da associaçao de anlodipino e enalapril, mesmo nao apresentando grandes alteraçoes na espessura cardíaca, reduçoes significativas de parâmetros da morfometria do ventrículo esquerdo ao ecocardiograma. Com o tratamento de cada uma das drogas isoladas observa-se uma tendência à reduçao desses parâmetros que, entretanto, nao atingiu significância estatística.

Os resultados do estudo estao de acordo com publicaçoes prévias que avaliaram os efeitos de diferentes associaçoes de antagonistas do cálcio e de inibidores da enzima de conversao, como formulaçao galênica única ou como drogas separadas, porém administradas conjuntamente.14-16

A associaçao de anlodipino e enalapril em formulaçao galênica única é inédita na literatura. Em resumo,os resultados demonstram que a associaçao de anlodipino e enalapril em formulaçao galênica única é (1) segura em todas as doses estudadas e útil no tratamento do paciente hipertenso, pois tem alta eficácia anti-hipertensiva mantida nas 24 horas do dia; (2) tem um excelente perfil de tolerabilidade, inclusive reduzindo a incidência de eventos adversos observados com o uso isolado de cada um dos componentes da associaçao; (3) tem um perfil metabólico neutro e apresenta atuaçao benéfica sobre a lesao de orgaos alvo avaliada, nesse estudo, por seu impacto positivo na morfometria cardíaca. Soma-se a todo esse perfil de hipotensor adequado sua comodidade posológica, o que seguramente traz benefícios na adesao do paciente ao tratamento e, conseqüentemente, na reduçao do risco cardiovascular.

Desse modo, pode-se concluir que a associaçao de anlodipino e enalapril em formulaçao galênica única constitui-se em uma excelente opçao terapêutica para o paciente com hipertensao arterial essencial em todos os seus estágios, desde as formas leves até aquelas mais severas.

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1. Hospital do Rim e Hipertensao e Disciplina de Nefrologia da Unifesp/EPM, Sao Paulo.
2. Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Medicina da USP, Sao Paulo.
3. Disciplina de Cardiologia da Unicamp, Campinas.
4. Disciplina de Clínica Médica da UERJ, Rio de Janeiro.

Endereço para correspondência:
Osvaldo Kohlmann Junior
Rua Botucatu, 740, Vila Clementino
04023-900 Sao Paulo, SP
Tel./fax: (0xx11) 5574-6300/ 5573-9652
E-mail: kohlmann@nefro.epm.br

Data de aceitaçao para publicaçao: I5/8/2000
Data da última versao do artigo: 8/8/2000
Fonte de financiamento: financiamento institucional do Laboratório Biosintética Ltda.
Conflito de interesse: trabalho financiado pelo Laboratório Biosintética Ltda.

Estudo multicêntrico brasileiro de eficácia e tolerabilidade da associação de anlodipino e enalapril em formulação galênica única no tratamento da hipertensão arterial leve a moderada

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