J. Bras. Nefrol. 2006;28(2 suppl. 1):33-5.

Avaliação de pacientes com doença renal crônica em tratamento especializado por equipe multidisciplinar

Rachel Bregman

Conservative management of chronic kidney disease by a multidisciplinary team

 

Resumo:

A intervençao no ritmo da progressao da doença renal crônica (DRC) é uma realidade na atualidade. Embora a maioria dos pacientes seja encaminhada tardiamente para o nefrologista, é possível interferir na progressao e prevenir as complicaçoes dos estágios mais tardios da DRC. A doença cardiovascular (DCV), principal causa de morte em pacientes com DRC, se inicia precocemente na evoluçao da DRC e, deve ser sempre avaliada e tratada agressivamente. Adicionalmente, a obesidade, um fator de risco para DCV e DRC também tem tido sua incidência aumentada em portadores de DRC. Todos estes fatores podem ser controlados em pacientes sob tratamento especializado, especialmente se realizado por equipe multidisciplinar. Como conseqüência, o adiamento da progressao da DRC postergando o início da terapia renal substitutiva é uma realidade para esta populaçao, e também apresenta a vantagem de um menor custo se comparado com a TRS.

Descritores: Doença renal crônica. Doença cardiovascular. Progressao. Nutriçao.

Abstract:

It is possible to decrease the rate of progression of chronic kidney disease (CKD) even when patients are lately referred to the nephrologists, optimizing their assistance. Cardiovascular disease (CVD) remains the major cause of death in patients with end-stage renal disease, and it might already be present in a significant proportion of patients with CKD in the early stages. In addition, the incidence of obesity, a known a risk factor for CVD and for CKD, is increasing in CKD population. It is suggested that the control of the many factors involved with the progression of CKD and CVD can be better accomplished when the CKD care is based on a multidisciplinary approach. The resulting postponement of the start of renal replacement therapy can be associated to substantial cost reduction.

Descriptors: Chronic kidney disease. Cardiovascular disease. Progression. Nutrition.

 

INTRODUÇAO

A doença renal crônica (DRC) é definida como sendo uma síndrome progressiva e conseqüente à perda irreversível de parte da funçao renal (glomerular, tubular e endócrina). Na atualidade defini-se DRC como indivíduos com filtraçao glomerular < 60ml/min/ 1,73m2, por 3 meses ou mais1,2. Qualquer agressao que acarrete a perda irreversível de algumas unidades funcionais resulta em DRC. Portanto a mesma definiçao serve para pacientes que perderam 10% da funçao renal global, ou para aqueles que perderam 90 %. Adicionalmente, a presença de sintomas e sinais específicos da doença bem como de alteraçoes de exames laboratoriais, ocorrem na dependência do grau de comprometimento renal existente; e a evoluçao da doença será diretamente proporcional à precocidade do tratamento. Diante da clareza da necessidade de se frear o extraordinário crescimento da DRC, propostas de tratamento e prevençao foram organizadas1-3.

A seguir apresentaremos dados obtidos de pacientes com DRC acompanhados em serviço especializado de nefrologia por uma equipe multidisciplinar composta de enfermeiros, médicos, nutricionistas e psicólogo.

MATERIAIS E MÉTODOS

Analisamos dados de 303 pacientes acompanhados há pelo menos 1 ano no ambulatório de doença renal crônica da Disciplina de Nefrologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), por equipe multidisciplinar. A idade dos pacientes variou de 21 a 80 anos. Todos os pacientes estavam estáveis, e nao faziam uso de corticosteróide ou qualquer imunossupressao. A filtraçao glomerular (FG) foi estimada a partir da fórmula do M D R D1 , 2. Os exames laboratoriais foram realizados no Laboratório Central do HUPE. A avaliaçao nutricional foi realizada por nutricionistas. O ecocardiograma foi realizado no Serviço de cardiologia do Hospital Universitário Gaffrè-Guinle sempre pelo mesmo investigador.

Os resultados estao expressos em média ± desvio padrao, ou mediana (mínimo e máximo). Significância foi considerada quando p<0,05. A correlaçao de Pearson (r) foi utilizada para avaliar associaçoes. A comparaçao entre 2 grupos foi realizada utilizando o teste t de student.

RESULTADOS E DISCUSSAO

A idade média dos pacientes foi de 60 ± 15 anos e, 51% eram do sexo masculino. A doença de base de maior incidência foi diabetes mellitus (30%) seguida de hipertensao arterial (21%), 8% eram portadores de nefropatia túbulo-intersticial, 8% apresentavam doença renal policística, 6% glomerulopatia crônica (todos os casos comprovados por biópsia), e 26% de causa indeterminada. Avaliaçao de renda mostrou que 57% ganhava entre 1 e 2 salários mínimos (Figura 1). Observamos na tabela 1 que a filtraçao glomerular estimada (FGe) foi de 37±18 ml/min, portanto uma populaçao que se encontrava na fase final do estágio 3. O perfil bioquímico destes pacientes (tabela 1) mostra que o colesterol e fraçoes se encontravam dentro de valores satisfatórios porém a fraçao LDL se encontrava acima do nível recomendado 1,2. Triglicérides apresentaram valor de mediana normal de 124mg/dl (38-593), porém com ampla variaçao entre os pacientes. Cálcio e fósforo estavam normais, e PTHi com mediana próxima do normal de 176 pg/ml (28-1350), porém também com ampla variaçao entre os indivíduos. Hematócrito , hemoglobina e albumina apresentavam valores normais para esta populaçao1,2. A mediana da proteinúria foi de 423mg/24h (34-8600), com grande variaçao entre os pacientes. A pressao arterial mostrou valores de 134 ± 2 1 mmHg e 79 ± 11 mmHg para a sistólica e a diastólica respectivamente, portanto um bom controle diastólico, e valores um pouco elevados para a sistólica. Estudo ecocardiográfico de 130 pacientes desta populaçao mostrou valores de índice de massa de ventrículo esquerdo de 157 ± 49 g/m2 para homens e de 143 ± 49g/m2 para as mulheres, o que significa a presença de hipertrofia de ventrículo esquerdo (HVE); que nao se correlacionou com hemoglobina (r = -0,2), hematócrito (r =- 0,15) ou FG (r = -0,22) (p>0,05). A presença de HVE reforça o comprometimento precoce cardiovascular desta populaçao4, apontando para a necessidade de tratamento agressivo para que esta complicaçao seja prevenida. Dentre os fatores de risco tanto para progressao da DRC como para doença cardiovascular encontra-se a obesidade5. Avaliamos 80 pacientes desta populaçao com FG <30ml/min, por ocasiao de sua primeira consulta em nosso ambulatório sem tratamento prévio. Conforme mostra a tabela 2, 40% apresentavam sobrepeso e, ingestao calórica, de lipídeos totais e saturados acima do recomendado. Após 6 meses de tratamento houve melhora significativa deste perfil, fortalecendo assim a importância de uma abordagem adequada para reeducaçao alimentar. No entanto ao longo do tempo, observamos que a restriçao de proteínas nao se manteve, nem mesmo naqueles que se encontravam no estágio 5 (Tabela 3). Este dado deve ser observado com atençao pois mostra que pacientes com DRC nao diminuem a quantidade de alimentos ingeridos e nao sao desnutridos se estiverem sob tratamento especializado; ao contrário, mantêm uma alimentaçao adequada e até apresentam sobrepeso. Salientamos que a albumina plasmática se encontrava normal demonstrando ausência de desnutriçao. Adicionalmente, observamos que a orientaçao de atividade física se faz necessária para esta populaçao, uma vez que 70% dos nossos pacientes se declararam sedentários.


Figura 1. Perfil da renda dos pacientes estudados

A estimativa da progressao da DRC mostrou diminuiçao da FGe de 2,1 ± 4,4 ml/min/ano, ou seja valores dentro dos limites preconizados1,2.

A detecçao precoce da doença renal e condutas adequadas podem retardar a evoluçao da doença e impedir complicaçoes, melhorando assim a qualidade de vida dos pacientes e diminuindo os custos do tratamento6-8. No Brasil, dentre 2 467 812 pacientes com hipertensao e/ou diabetes cadastrados no programa “HiperDia” do Ministério da Saúde em março de 2004, a freqüência de doença renal foi de 6,63% 9. As duas principais causas de DRC sao diabetes mellitus e hipertensao arterial, assim, aqueles que atuam na área de atençao básica à saúde podem identificar precocemente pacientes com diminuiçao da funçao renal. Observamos no presente estudo que pacientes que iniciaram seu tratamento em clínica especializada com atendimento multidisciplinar, embora na fase final do estágio 3, e portanto encaminhados tardiamente, se beneficiaram do atendimento e mantiveram marcadores de qualidade para o tratamento da DRC dentro ou muito próximo do estipulado, apesar de se tratar de uma populaçao de baixa renda. Finalmente, apontamos para a particularidade de que para esta populaçao, a melhor qualidade de vida está também diretamente relacionada a um menor custo8,10.

REFERENCIAS

1. Kidney Disease Outcome Quality Initiative. Clinical practice guidelines for chronic kidney disease: evaluation, classification and stratification. Am J Kidney Dis 2002;39:S1-S246.

2. Diretrizes Brasileiras de Doença Renal Crônica: Prevençao da progressao da Doença Renal Crônica. Braz. J. Nephrol. (J. Bras. Nefrol.) 2002;XXVI(Supl 1):1-14.

3. Brown WW, Peters RM, Ohmit SE, Keane WF, Collins A, Chen SC, King K, Klag MJ, Molony DA, Flack JM. Early detection of kidney disease in community settings: The Kidney Early Evaluation Program (KEEP). Am J Kidney Dis 2003;42:22-35.

4. Go AS, Chertow GM, Fan D, McCulloch CE, Hsu CY. Chronic kidney disease and the risks of death, cardiovascular events, and hospitalization. N Engl J Med 2004;351:1296-305.

5. Wiggins KJ, Johnson DW. The influence of obesity on the development and survival outcomes of chronic kidney disease. Adv Chronic Kidney Dis 2005;12:49-55.

6. Bakris GL, Williams M, Dworkin L, Elliott WJ, Epstein M, Toto RDA, Tuttle K, Douglas J, Hsueh W, Sowers J. Preserving renal function in adults with hypertension and diabetes: A consensus approach. National Kidney Foundation Hypertension and Diabetes Executive Committees Working Group. Am J Kidney Dis 2000;36:646-61.

7. Barret BJ. Applying multiple interventions in chronic kidney disease. Semin Dial 2003;16:157-64.

8. Wavamunno MD, Harris CH. The need for early nephrology referral. Kidney Int 2005;67:S128-S132.

9. Ministério da Saúde do Brasil, Programa HiperDia. Disponível em: http://hiperdia.datasus.gov.br, 29/03/2004.

10. St Peter WL, Khan SS, Ebben JP, Pereira BJG, Collins AJ. Chronic kidney disease: The distributionof health care dollars. Kidney Int. 2004;66:313-21.

Disciplina de Nefrologia, Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Endereço para correspondência:
Rua Soares Cabral, 71
22240-070 – Laranjeiras, RJ
E-mail: bregmanr@terra.com.br

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