J. Bras. Nefrol. 2009;31(1):5.

Hipercalemia

Paulo Novis Rocha

Hyperkalemia

 

Como os rins são os principais responsáveis pela homeostase do potássio, hipercalemia é um tema do dia-a-dia do Nefrologista. A primeira etapa na avaliação de um caso de hipercalemia é determinar se existe uma emergência. Para isso, além do nível sérico de potássio, o eletrocardiograma (ECG) é essencial. Com a elevação do potássio sérico, há aumento da amplitude da onda T, achatamento da onda P, redução no intervalo QT e prolongamento do intervalo PR; em seguida, ocorre prolongamento do intervalo QRS, evolução para uma “sine wave” e, eventualmente, parada cardíaca. Hipercalemia com alterações ao ECG, especialmente quando já há prolongamento do QRS, caracteriza uma emergência. Nestes casos, uma ampola (10 ml) de gluconato de cálcio a 10% deve ser administrada por via endovenosa imediatamente para estabilizar a membrana miocárdica. Em seguida, outras medidas devem ser tomadas visando reduzir a concentração sérica de potássio (Tabela 1)1.

Não havendo emergência (ou depois de tomadas as medidas emergenciais necessárias), o Nefrologista deve realizar história e exame físico detalhados e revisar os exames laboratoriais, visando identificar o(s) mecanismo(s) de hipercalemia operante(s) no seu paciente.

O manejo em longo prazo do paciente hipercalêmico depende da identificação – e correção – desses mecanismos 2.

Os principais mecanismos de hipercalemia são: 1) Desvio do líquido intra-celular (LIC) para o extra-celular (LEC): o nosso organismo contém cerca de 50 a 55 meq/kg de potássio, sendo que 98% se encontra no LIC. Esta concentração de potássio no LIC é mantida às custas de transporte ativo, pela bomba Na+-K+- ATPase presente nas membranas celulares. O movimento de apenas 1,5 a 2,0% de potássio do LIC para o LEC pode resultar em hipercalemia potencialmente fatal. Situações clínicas que favorecem um desvio de potássio do LIC para o LEC incluem: acidose metabólica (principalmente as hiperclorêmicas), lise celular (queimaduras, hemólise, rabdomiólise, necrose tissular), hiperosmolaridade, deficiência de insulina, paralisia periódica hipercalêmica e algumas drogas (succinilcolina, digital, beta-bloqueadores).

2) Diminuição na excreção renal: em indivíduos normais, um aumento na ingestão de potássio na dieta estimula a secreção de aldosterona, que, ao nível do néfron distal, promove:  maior reabsorção de sódio, o que aumenta a eletronegatividade do lúmen tubular;  maior atividade da enzima Na+-K+ ATPase;  abertura de canais de potássio na membrana luminal.

Estes mecanismos culminam em maior secreção tubular de potássio. Devido à grande capacidade dos rins em aumentar a excreção urinária de potássio frente a sobrecargas, pode-se dizer que hipercalemia sustentada só ocorre na vigência de um problema renal.

Este problema pode ser “quantitativo”, como na IRA ou DRC avançada, onde há uma redução no número de néfrons funcionantes, ou “qualitativo”, por um defeito no manejo tubular de potássio, como encontrado nas acidoses tubulares hipercalêmicas e nos pacientes que utilizam inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), diuréticos poupadores de potássio, heparina, anti-inflamatórios não hormonais, ou trimetoprim.

Muitas vezes, a prescrição de um paciente contém drogas capazes de causar hipercalemia por ambos mecanismos. Esquemas para insuficiência cardíaca congestiva (ICC) contendo, digoxina, betabloquadores, heparina, inibidores do SRAA e espironolactona, por exemplo, são quase modelos experimentais de hipercalemia! De fato, desde a publicação do estudo RALES3, tem havido aumento na incidência e na mortalidade por hipercalemia nestes pacientes4.

Quando nenhum dos mecanismos acima estiver presente, deve-se contemplar a possibilidade de pseudo-hipercalemia; outra pista seria hipercalemia severa, mas sem alterações ao ECG. As causas de pseudo-hipercalemia incluem: hemólise traumática durante a punção, garroteamento prolongado, abrir e fechar mão repetidamente antes da punção 5, trombocitose (> 1 milhão) ou leucocitose (> 50 mil) severas e coleta de amostra do mesmo braço onde está sendo feita infusão de potássio. O diagnóstico pode ser confirmado através da dosagem do potássio no plasma, em amostra de sangue heparinizado.

Embora esta seção seja chamada de “Consulta Nefrológica em 10 minutos”, a avaliação criteriosa do paciente hipercalêmico geralmente requer bem mais tempo que isso!

a. Deve ser a primeira medida se houver alterações ao ECG. Cuidado no paciente que usa digital: diluir a ampola e correr em 20 minutos. Não administrar se houver suspeita de
intoxicação digitálica.
b. Mais eficaz em pacientes com acidose metabólica. Dose pode variar de acordo com a severidade da acidose. Não administrar junto com cálcio ou em pacientes congestos. No
paciente hipovolêmico, hipercalêmico, e acidótico, diluir 15 ampolas de NaHCO3 em 850 ml de SG5% (150 meq/L) e usar como expansor no lugar de SF 0,9%.
c. Administração de glicose é desnecessária se o paciente estiver muito hiperglicêmico (> 250 mg/dl).
d As doses utilizadas para hipercalemia são bem maiores que as habitualmente usadas para broncoespasmo. Além do fenoterol, pode-se também utilizar o salbutamol. Outra opção
seria terbutalina por via subcutânea.
e. No paciente hipervolêmico, usar apenas furosemida. No paciente hipovolêmico, iniciar com SF 0,9% e associar furosemida apenas após estabelecer normovolemia. Preferir
NaHCO3 como expansor se houver acidose associada.
f. Para administração VO, o sorcal deve ser diluído em manitol (200 ml) para evitar constipação. Outra alternativa é o sorbitol.
g. Método de eleição no paciente com IRA ou DRC estágio V. A hemodiálise convencional é mais confiável que os métodos contínuos na hipercalemia aguda severa.

REFERÊNCIAS

1. Burton DR. Clinical manifestations and treatment of hyperkalemia. UpToDate Online [internet]. [Acesso em: 16 mar 2009]. Disponível em: http://www.uptodate.com/patients/content/topic.do?topicKey=~ CfTB3rp2IR_R09 2 Palmer BF. Managing hyperkalemia caused by inhibitors of the renin-angiotensin-aldosterone system. N Engl J Med. 2004;351:585-92.

3. Pitt B, Zannad F, Remme WJ, Cody R, Castaigne A, Perez A, et al. The effect of spironolactone on morbidity and mortality in patients with severe heart failure. Randomized Aldactone Evaluation Study Investigators. N Engl J Med, 1999;341:709-17.

4. Juurlink DN, Mamdani MM, Lee DS, Kopp A, Austin PC, Laupacis A, et al. Rates of hyperkalemia after publication of the Randomized Aldactone Evaluation Study. N Engl J Med, 2004;351:543-51.

5. Don BR, Sebastian A, Cheitlin M, Christiansen M, Schambelan M. Pseudohyperkalemia caused by fist clenching during phlebotomy. N Engl J Med, 1990;322:1290-2.

Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia, Brasil
Graduado em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Residência em Clínica Médica no Medical College of
Pennsylvania e em Nefrologia na Duke University, título de especialista em Clínica Médica e Nefrologia pelo American Boards of Internal Medicine e em Nefrologia pela
Sociedade Brasileira de Nefrologia, Doutorado em Medicina pela UFBA, Professor Adjunto do Departamento de Medicina da FMB-UFBA.

Endereço para correspondência:
Paulo Novis Rocha
Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia
Departamento de Medicina
Av. Reitor Miguel Calmon, s/nº, Vale do Canela
40110-100 – Salvador – BA, Brasil
Tel/Fax: (71) 3283-8862/8863/8864
E-mail: paulonrocha@ufba.br

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